segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Berliner Mauer



Já era noite naquele 9 de novembro do ano da graça de 1989.
Estava em Berlim como alguém que ver cristalizar à sua frente um antigo sonho:

Caía o muro da vergonha, o muro da discórdia.
Era o fim dos blocos, da divisão Leste/Oeste, de um mundo configurado à base da força do pós-guerra.

Muro no Aurélio = parede forte que veda ou protege um recinto ou separa um lugar do outro.

Ruiu o monumento da tirania, uma separação anacrônica comparada somente à idade média. Enfim após 28 anos de cisma acontecia a reunificação da Alemanha.

A multidão festejava junto ao Portão de Brandeburgo o fim de uma era truculenta. Pais e mães pudiam finalmente reencontrar seus filhos e, familiares, até então meros estranhos eram apresentados depois de 28 anos de separação forçada.

O muro naquela noite e nos dias subsequentes transformou-se em uma autêntica passarela de carnaval. Todos dançavam, cantavam e batucavam em cima do que restara da intolerância materializada.

A Berlim de Jesse Owens, atleta medalhista de quatro medalhas de ouro nas olimpíadas de 1936 em plena vigência do regime hitlerista.

A Berlim das Asas do Desejo, “Der Himmel über Berlin” (1987) do cineasta Wim Wenders em seu duelo poético entre o divino e o efêmero.

A cidade de arquitetura arrojada, avenidas largas, prédios consistentes e maciços, atrativos culturais e, esportivos.

A Berlim de “Good Bye, Lenin!” (2003) dirigido por Wolfgang Becker, esta cidade e os seus moradores do leste e oeste martelaram aquele embuste à humanidade até o chão.
Eu imagino Berlim como uma espécie de Oz – colorida o suficiente para quebrar o monocromático de algum resquício de um passado tenebroso.

Imagino a minha Berlim como uma cena de cinema onde um personagem olha o espelho e diz a si mesmo:

-Eu sou alguém livre, preso apenas ao meu próprio vagar.

-Sou um amante sereno, um amigo afável e também difícil.

- Sou ocioso por vocação e sonhador por natureza.

-Sou contemplativo na medida do olhar – e não consigo enxergar Berlim (e a vida) sem a existência da poesia.

Pois lá está Berlim e já posso avista - lá:

William Shakespeare em pé sobre o Portão de Brandemburgo, o nosso guardião dos conceitos universais espia a multidão célere no seu vai-e- vem tresloucado.

Viro a rua e dou de cara com Clarice Lispector sentada no Café da Esquina.

Vou a um jogo do Hertha Berlin no Estádio Olímpico, e encontro com Nelson Rodrigues na arquibancada. Furioso, polêmico e intempestivo como sempre:

-Falta arte, falta sexo neste gramado verde!
Diria ele indignado com o futebol contemporâneo.

Kremlin, Berlim
Só pra te ver
E poder rir
Luzes, jasmim
Meu coração, vaso quebrado
Ilusão, fugir...

Nos meus sonhos Djavan surgiria cantando Topázio em meio ao inverno, da bela Berlim.

Um comentário:

Bono disse...

Prezado Jonathas

Em seu brilhante registro histórico sobre os vinte anos da "queda do muro" de Berlim, você nos presenteou com alguns encontros dos sonhos:

1. Damiel e Marion (embalados por minha voz que veio de Dublin diretamente para "O Céu de Berlim" de Wenders);

2. Christine Kerner e Alexander (mãe e filho em "Adeus, Lenin!" que se separaram fisicamente através de um "foguete" que levou as cinzas da sra. Kerner aos "Céus de Berlim" - nesse sonho fílmico relembrei a cremação daquela que me gerou);

3. Está face a face com a mulher "apesar de", a mulher que se permitia "apenas ser" e que andou, quando criança, pelas calçadas da rua da Imperatriz no Recife (ao menos, quando eu era criança, fiz alguma coisa que Clarice também fez - andei muito pelas calçadas das ruas do centro do Recife);

4. Shakespeare e Nelson Rodrigues escrevendo juntos (tem gente que pensa que os dois são muito diferentes - quando, na verdade, estão bem mais próximos que possamos imaginar);

5. Com um alagoano cantando:

"Você arrasa
E me arrasou
Só pra anoitecer
O que é escuro
Ninguém me beijou
Mais puro
Tô lembrando de você
Uma vez...
Kremlin, Berlim
Pra não dizer Telaviv
Ilusão
Fugir de mim".

Wim Wenders abre a janela “Music” de seu site assim…

“My life was saved by Rock’n Roll. Because it was this kind of music that, for the very first time in my life, gave me a feeling of identity, the feeling that I had a right to enjoy, to imagine, and to do something. Had it not been for Rock’n Roll, I might be a lawyer now.”

Abraços querido amigo.