sábado, 15 de outubro de 2016

Cartas para o meu filho - Carta número 1



Carta 1 – “A verdadeira desorganização do desespero”*, ou, quando a solidão doí muito...

Pequeno lord,

Aqui onde encontro-me agora, não tenho mais do que 8 metros quadrados para expandir os meus sentimentos, as minhas convicções, as minhas esperanças e tristezas. Mas veja meu filho, isso não é um lamento, ao contrário é uma forma tênue de resistir aos botes ligeiros e rasteiros que vire e mexe recebemos da vida. Se há algum proveito na dor é a compreensão de que na vida nada é em vão, e a certeza cristalina de que tudo que plantamos um dia semearemos de alguma maneira, quase sempre do modo menos esperado, diga-se.

No dia em que fui mais feliz
Eu vi um avião
Se espelhar no seu olhar até sumir”...

Passo os meus dias praticamente longe do meu pequeno apartamento, que é simples, porém já gerei um carinho por este meu canto, e tudo melhora quando eu olho para a parede à minha frente e vejo o lindo quadro que a sua mãe me presenteou no último dia dos pais, sim aqueles em que você está em diversas fotografias desde do seu primeiro dia de vida até recentemente.

De todas as fotos existe uma que me chama muita atenção, aquela de quando você estava brincando no parque do Ibirapuera com seu rostinho pintado de tigre, lembra?

Acho que foi no verão deste ano...

Você estava reflexivo, quieto e compenetrado, a sua beleza é ainda mais notada por esses pequenos detalhes, você não poderia ser alguém diferente, desde cedo apresenta uma certa maturidade para uma criança de três anos e meio, isso sem deixar de ser um moleque safado e muito alegre e desenvolto em suas relações com o seu pequeno grande universo.

Ao retornar do meu trabalho eu quase sempre chego feliz, pois mais um dia foi vencido, apesar dos problemas – que continuarão a existir – se não fosse assim não o chamaríamos de trabalho, não é verdade!

Um dia você compreenderá melhor do que falo agora.

Quando aqui cheguei era inverno e de certo modo eu vivia um autêntico cá dentro de meu ser. Os primeiros dias e as primeiras semanas não foram exatamente o que denominamos de fácil, no entanto foi importante manter a serenidade e a vontade de tentar compreender por quê a minha vida estava passando por essa mudança drástica e de forma inesperada...

“De lá pra cá não sei 
Caminho ao longo do canal
Faço longas cartas pra ninguém
E o inverno em Itapetininga é quase glacial” (licença poética)

Certo mesmo é que aos poucos a vida vai querendo me dizer algo sobre a tempestade, e nunca se esqueça que só temos bonança quando atravessamos um temporal daqueles devastadores. Tenho tido tempo para voltar a escrever algumas linhas caóticas, dentro do meu estilo sem padrão definido, e retornei ao meu prazer de pesquisar música, tendo escutado muitas músicas antigas e novas, o que me move a bons sentimentos.

Nesse momento está tocando um clássico da música francesa, sim a França da Torre Eiffel que você tão lindamente diz querer conhecer um dia, a canção é Aline gravada pelo cantor Cristophe em 1965. Essa música aparece em uma cena muito bacana do filme “Praia do Futuro” (BRA, 2012) dirigido pelo cineasta cearense Karim Aïnouz e estrelado pelo ótimo ator Wagner Moura, talvez o nosso melhor ator da atualidade por sua capacidade tácita de encarnar suas personagens com profundidade, sempre deixando uma porta entreaberta ao público para ser curioso a respeito de sua atuação, isso é no mínimo fantástico para um ator que não teme a exposição dentro de cena, certamente um dos elos fortes na carreira do Wagner.

Meu pequeno anjinho, foi pensando no verso da música de Adriana Calcanhoto e Antônio Cicero – o filósofo que também é irmão da cantora Marina Lima – que seu pai percebeu que poderia escrever longas cartas para você durante este período de exílio forçado, é preciso entender que o nosso país vive uma grave crise de liberdade, aqui a palavra exílio não é usada de maneira vã. 

Enfim achei bem prático e de certo modo poético a ideia, e um dia se você desejar poderá lê-las.
Termino essa primeira carta com um poema do Ferreira Gullar que nasceu no estado da sua querida mãe, espero que você goste do poema do Gullar e depois do pequeno trecho que compus para fechar a narrativa.

Retratos

“Amigos morrem,
as ruas morrem,
as casas morrem.
Os homens se amparam em retratos.
Ou no coração dos outros homens”.

Ferreira Gullar

Piazolla me faz chorar copiosamente,
a vida me faz chorar de tristeza e alegria
porque lá no fundo
sem essa dor
eu não reconheceria
o milagre da paz.

Jonathas Nascimento

Fique em paz meu pequeno tesouro, brinque bastante e logo estaremos juntos novamente.

Um beijo com amor do seu papai.

*Nome de peça inédita escrita por Renato Russo




quarta-feira, 12 de outubro de 2016

20 Anos


Lá fora os trovões a escuridão e um súbito vento anunciam a tempestade...

Duas décadas atrás Renato Russo partia deste plano,
deixando como legado uma coleção indispensável de canções.

Aqui uma mostra de que sua obra ainda permanece atual e importante, já que novos artistas ainda sentem prazer em revisitar as suas músicas e letras...

Os dias por aqui Renato estão sombrios, e só posso dizer que você nos faz muita falta!

Saudades velho camarada!

Plutão Já Foi Planeta – Por Enquanto


quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Carta a um amigo


 “O Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e gente dizendo adeus”. (Oswald de Andrade)

Sou do tempo das cartas, quando era necessário escrever de próprio punho palavras que pudessem expressar sentimentos.

As palavras de Oswald de Andrade são mais profundas do que aparentam. Falam do quanto o progresso e o mundo da indústria e do trabalho inverteram perversamente a lógica e as razões mais essenciais da vida em sociedade. Em nome desse suposto avanço aceleramos o tempo, vivemos correndo e quase nunca dizemos aos nossos pares o que mais importa.  As árvores cederam espaço ao concreto, roubaram de nossas paisagens o verde, o colorido, o frescor da natureza transformando tudo no árido concreto, erguendo prédios enormes, pintando o mundo melancolicamente de cinza. Abriram espaço para os velozes automóveis, adicionaram computadores em nossas rotinas e, aos poucos nos fizeram crêr por alguns instantes que as pessoas poderiam ser substituídas por máquinas...

Sabe lá Deus em sua infinita sabedoria o quanto esse estado de coisas nos aflige, pessoas dispostas a doar o que temos de melhor – a erguer relações em outros patamares, sem a clássica divisão patrão e empregado, pobre e rico, homem ou mulher...

Sim, eu sei meu amigo que o mundo vira as costas a todos os teimosos incuráveis, Dom Quixotes das esquinas que andam trôpegos pelas ruas e avenidas desta vida, sonhando sempre sem perder de vista que a missão é árdua, e por isso mesmo estaremos sempre atravessando desertos e encarando muitas vezes a cruel e costumas solidão.

Eis Milton cantando a beleza do amor, a paixão por River Phoenix

 Milton Nascimento/ Carta a um jovem ator