domingo, 8 de novembro de 2009

Diz Que Fui Por Aí



Na estrada rumo à catedral ele apenas pensava quase em voz alta, tal qual uma prece de louvor:

- Minha santa não te peço mais nada. Já tenho tudo àquilo que Deus me deu. Obrigado!

A trajetória de Geraldo é a rotina comum de um cidadão proletário. Sujeito trabalhador de origem humilde,  trabalha há mais de vinte anos em uma padaria na Vila Clementino. Sua função também continua sendo a mesma: chapeiro.

Faça sol, faça chuva, lá está Geraldo às 5 da manhã aquecendo a chapa, de onde só saí depois das 3 da tarde. À noite vez ou outra ainda arruma tempo para fazer bico de garçom em eventos fechados. Tudo para prover o pão cotidiano de sua esposa e de um filho temporão.

Antes, durante a sua mocidade o seu maior prazer era encontrar os amigos do bairro para o famoso rachão de domingo.

Sua maior vaidade é ir à missa com seu único paletó listrado, já gasto pela ação do tempo. Das lembranças da infância guarda com ternura os passeios ao Estádio do Pacaembu, para ver ao lado do pai os jogos do seu time de coração:

-Vai curíntia! Vai curíntia!

Gritava a plenos pulmões com a paixão que só as crianças conseguem traduzir!

Conheceu uma São Paulo diferente quando ainda era possível transitar de norte a sul sem que fosse necessário passar horas a fio preso a um congestionamento. Cansou de subir a Rua Augusta de trólebus até a Avenida Paulista, era habitué de matinês de cinema, tinha predileção pelos faroestes, porque neles o mocinho diferentemente da vida real geralmente vencia os seus duelos.

De vez em quando frequentava mesas de botecos com colegas de trabalho na outrora romântica Avenida São João, quando batia seu violão cantando sambas de Noel Rosa e serestas de Sílvio Caldas e Orlando Silva.

O tempo não parou, e com o passar do tempo algumas coisas mudaram principalmente após enfrentar uma grave doença.

Ao descer da Van naquela tarde, os seus olhos marejados visualizaram o tamanho do milagre:

Geraldo prometera ir ao Santuário de Aparecida caso a sua graça fosse alcançada. Foi curado depois de ser desenganado pelos médicos.

Perdera o vasto bigode, ganhara um semblante cansado, com rugas, cabelos brancos, certo ar de envelhecimento e abatimento, mas naquele instante sorria como nunca antes na vida.

Foi assim que adentrou na imensa nave da imponente Basílica. De lá avistou a linda abóboda do Santuário de São José e, de joelhos no altar rezou pelas pessoas que acreditavam em sua cura.

Foram minutos de profunda retidão, sua fé inabalável misturava-se a imagem comovente de um homem entregue nos braços de Deus. Suas únicas palavras foram:

-Obrigado pai, muito obrigado! Acho que não sou mercedor...

Geraldo voltou para casa naquela noite como alguém que retorna de uma guerra. Não sabia por que estava vivo, mas sabia muito bem como viveria os anos vindouros.

Na manhã seguinte a sua rotina prosseguiu intacta: família, padaria, chapa, trabalho, fé, suor e, saúde.

E aí me dá
Como uma inveja dessa gente
Que vai em frente
Sem nem ter com quem contar.


Um comentário:

Renato disse...

oi jonathas

a "minha" voz cantando "gente humilde" (vinícius e chico) é um momento de pura beleza da mpb. lembrei-me um pouco da voz tão límpida que outrora você já homenageou aqui. essa história é de superação...você sabe contar superações muito bem. linda postagem.

por favor, quando puder, leia email que enviei para o seu endereço do terra. é sobre mahler!!! preciso de um favor seu.

grato, abraço e boa semana.