A minha geração se esgoelava pra cantar esse refrão, uma canção que tirava sarro e ao mesmo tempo criticava um estado de coisas. O que canta a garotada hoje em dia?
- Mãe me dá grana pra eu torrar no shopping com as minhas amigas.
Não sei, sou chato mesmo e, estou envelhecendo. Vejo um mundo sem rumo, sem critérios, sem comunicação, confuso, talvez seja a minha velha amiga miopia, e com certeza não era diferente no tempo dos meus pais.
"Na galeria
Cada clarão
É como um dia depois do outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Cantando a poesia
Que entornas no chão".
(Chico Buarque).
O que uma galeria comercial pode nos enredar sobre as virtudes e carências da globalização? Não é bem esse o intuito principal do jovem diretor argentino Daniel Burman com sua película "El Abrazo Partido" (Argentina, França, Itália, Espanha, 2004), mas durante seus 97 minutos podemos sim visualizar uma babel partida, dividida, e por vezes indiferente frente ao processo pós-moderno da globalização.
Segundo filme em sua trilogia - "Esperando o Messias" (2000), e "As Leis de Família" (2006) - desta vez Burman recria uma Bueno Aires - ainda em grave crise econômica - a partir de uma galeria comercial no centro da cidade, revelando através do olhar de mais uma personagem com o nome de Ariel - o ator uruguaio Daniel Hendler - as celeumas possíveis no cotidiano de um autêntico mosaico de etnias, credos e cores latino-americanos com suas respectivas ancestrais européias.
O jovem Ariel Makaroff é um comerciante da comunidade judaica argentina que busca desesperadamente compreender as suas raízes nesse novo mundo transnacional, duelando com sua mãe acerca do desaparecimento do pai, semeando com sua avó as lentes doloridas da guerra, para colher no futuro quem sabe uma compreensão mais plausível dos seus colegas latino-americanos da galeria portenha.
A narrativa de Burman brilha quando opta por contar uma história de relações rompidas de um modo bem-humorado sem cair na tentação de transformar esse drama em um dramalhão choroso e copioso.
Assim de maneira leve assistimos ao desfile de personagens éticas: Os peruanos, bolivianos, paraguaios a chegada dos coreanos, todos deslocados e migrando para o convívio na babel portenha com toques europeus e de idéia comercial norte-americana.
A tentativa de Ariel de buscar na Polônia soluções e respostas para os fragmentos de sua vida soam como um recurso inteligente e sarcástico de Burman para ascender em nós a chama discursiva de que a globalização de lá não difere da mesma que praticamos em nossas galerias cotidianas daqui.
Ou será que o destino do Ariel da Polônia não seria o mesmo do boliviano, do paraguaio ou do peruano da capital portenha? Os conflitos e tensões estão postos sobre a mesa, a globalização nos impôs uma nova percepção das relações humanas, e podemos escolher se queremos olhar tudo sobre o ponto de vista meramente observador - como são as tomadas panorâmicas da personagem Ariel no início do filme - ou se de modo oposto faremos isso enfrentando um plano americano frontal, expondo e interagindo com suas perceptíveis causas e consequências.
El Abrazo Partido (Argentina, França, Itália, Espanha, 97 min). 2004
Elenco: Daniel Hendler, Adriana Aizemberg, Jorge D´Elia, Sérgio Boris.
Distribuição: Art Films
Trilha Sonora
Artista: Chico Buarque
Música: As Vitrines
Olhou para a TV e franziu a testa, então deu as costas e saiu.
Ganhou às ruas, avistou um taxi e acenou para o chofer.
-Boa noite! Daqui pro Méier por obséquio e, de preferência na manha do gato.
Foi quando o "sobrenatural de Almeida" o visitou antes da meia-noite.
Seus olhos já cansados pelas turbulências da vida olharam de relance para alguém de áurea cintilante, olhar meigo e fixo, sedutor e determinado. Ele não resistiu à tentação:
-Alô... qual o nome da belezura?
Deu para ouvir o silêncio em toda a Guanabara – segundos de intenso suspense...
-Idalina. Ao seu dispor cavalheiro.
Naquele duplo Ás entre a sedução e a fantasia, a cartada final parecia ter hora certa para chegar.
Bebidas e copos sobre a mesa enquanto o sol já queria dizer bom dia.
Saíram da boate entrelaçados pelas mãos, embora soubessem que o jogo estava perto do seu fim.
Deu empate no tempo final de jogo! Mas tal qual um clássico que se preze – aquele não teria sido o encontro derradeiro, os ventos carregavam um perfume diferente pelo ar.
Novidade é seu nome quando acontece de repente.
Em sua roda de amigos as únicas palavras concretas foram: Enfim! Paulo conheceu o amor!
Parece ter encontrado aquilo que nunca teve na vida, um romance.
PS: Sobrenatural de Almeida foi uma expressão cunhada por Nelson Rodrigues em suas crônicas esportivas
Para onde corre a manada, certamente não caminha a razão.
Não faltam exemplos: Lula e sua popularidade sacana, a turba de selvagens querendo apedrejar uma Maria Madalena pós-moderna na Uniban, a educação capenga deste país, os filmes blockbusters e, por aí vai.
Pra relaxar um som ensolarado vindo da Califórnia. O duo intitula-se Girls. Nada de mais e, nem de menos, apenas legal.
Para uma terça-feira sujeita a raios e trovoadas já está bom demais.
Diga-me que é mentira: uma professora escreve na prova de um aluno engraçadinho (daqueles que sequer aprendem a colar) que ele é prolixo. O pai da ‘figura' lê a prova e vai até a faculdade tirar satisfação com a professora:
- Você mandou meu filho pro lixo sua ...? (adjetivos não permitidos para o horário).
Pior de tudo: é a mais pura verdade! Em que mundo então estamos vivendo?
Encarar a vida pela frente... Sempre... Encarar a vida pela frente, e vê-la como ela é... Por fim, entendê-la e amá-la pelo que ela é... E depois deixá-la seguir... Sempre os anos entre nós, sempre os anos... Sempre o amor... Sempre a razão... Sempre o tempo... Sempre... As horas.
(Virginia Woolf)
Um mergulho no fundo da imensidão e,
Mesmo assim eu posso ouvir
Alguém correndo pela praia
Ao som das gaivotas
Enquanto o vento sopra e a água abraça a areia.
Segunda, terça, quarta, quinta ou sexta-feira,
Mas por quê parece que tudo sempre termina no sábado à noite?
Manhã de um sábado no metrô: ela olha no espelho portátil enquanto delineia seus olhos orientais. Faz seu make-up tal qual faria em sua casa.
Sua silhueta fina, seu sorriso aberto, seus cabelos lisos e negros. Ele que procura por distração durante a viagem, fixa seu olhar nos dela através do espelho. Logo se lembra de Tókio e, do mundo pop japonês, até que uma voz irrompe do nada:
_ Próxima estação... Liberdade.
E com ela parte uma fração de segundo oriunda do outro lado do mundo, carregando toda graça e a leveza daquele vagão.
Quando tinha meus quatorze anos ficava na varanda da minha casa olhando a paisagem de concreto de São Paulo. Adorava fitar os olhos na transposição efêmera do final da tarde para o começo da noite ao som desta balada sensível: No More Lonely Nights. Bastava ouvir:
I can wait another day
until i call you
E a viagem a bordo dos meus sonhos adolescentes decolava, são momentos que só a arte pode proporcionar! A canção teve a participação de David Gilmor do Pink Floyd na guitarra solo, nunca mais minhas noites foram iguais!
Paul McCartney fez isso com várias gerações, por isso mesmo é um gênio da arquitetura musical pop.
Trilha Sonora Artista: Paul McCartney Música: No More Lonely Nights
Para tudo! Junte bastante audácia, certo grau de extravagância, adicione uma boa pitada de autoconfiança e claro, talento. O resultado será: Torino.
Paulista, 20 anos, morador do bairro de Higienópolis, Torino é uma boa aposta para o sucesso, estrelato ou, para todas as alternativas juntas.
Não sei se ele alcançara o topo das paradas pop – isso seria exercício de futurologia – mas ninguém pode acusar o rapaz de não ter personalidade.
Sua trajetória é bem sugeneris: decidiu ir a Londres para gravar o seu primeiro disco. Foi barrado na imigração e, então voou para Paris. De lá trouxe influências importantes para o seu trabalho, sobretudo no visual que compõe sua persona artítica.
O vídeo acima é de uma recente apresentação em São Paulo, quando alugou um Teatro e realizou o show apenas para convidados, quem sabe uma prévia do que virá por aí.
Quando eu vejo e ouço o Hamilton de Holanda tocando, eu simplesmente voo pra bem longe. Bandolim afiado, instrumento sob domínio total das mãos e mente deste extraordinário músico brazuca.
Nestas horas vale a pena ser chamado de brasileiro, dá orgulho. Quero esbarrar com outros “Hamiltons”
Ele descobriu algo de novo: o amor. Aos treze anos pela primeira vez sentia aquilo que faz a vida valer a pena.
Como um passe de mágica experimentou o aroma da fragrância do Jasmim e, percebeu que era o mesmo que exalava no caminho para a casa de sua Julieta. Mas Julieta na verdade chamava-se Sofia e, era uma jovem vinda de outra cidade para passar as férias daquele verão.
Era um verão escaldante, sol a pino, temperaturas causticantes. Tudo corria como outrora até que numa bela tarde seus olhos conheceram aquela garota loira, de olhos levemente esverdeados, esguia, com sardas, extremamente charmosa, corpo desenhado e de lábios bem carnudos. Seria a bela da tarde de Buñuel?
Essa foi a primeira imagem de Sofia que ele congelou em sua retina.
Ele não sabia muito bem como dizer – ou se – era realmente necessário converter aquela sensação trepidante em palavras. Seria possível traduzir um sentimento avassalador?
Passou os primeiros dias travando um embate surdo consigo mesmo. Seu maior adversário: a sua própria timidez.
No fundo sabia que era correspondido, pois o olhar perdido e, o sorriso radiante de Sofia não disfarçava que ali entre ambos havia um desejo mútuo.
Passaram três semanas em uma casa de veraneio junto a uma multidão de jovens e adultos. Naquela atmosfera às vezes febril era certo encontrá-los próximos fosse brincando, jogando conversa fora ou, até mesmo brigando por pequenas tolices da idade. A provocação e a sedução eram recíprocas.
Acordavam cedo e logo estavam seguindo o trajeto entre a casa e a praia. Os dois transformavam aquele trivial instante em uma espécie de jornada, uma autêntica exploração sensorial.
Durante as noites na hora de dormir a luz que irradiava da rua, iluminava os olhos dos dois apaixonados. Em seus sonhos aquele era o momento perfeito, quem sabe ali o primeiro e eterno beijo de amor.
As férias terminaram e Sofia retornou para sua cidade. A distância motivava aquele romance velado não consumado (será mesmo?).
Foram cartas e mais cartas meses a fio – enquanto “a realidade mais delicada e mais difícil, menos visível a olho nu” batia à porta dos dois jovens enamorados.
Assim como uma tela de Cézanne perdida em algum sótão empoeirado e ordinário, onde sua beleza não podia ser apreciada, o tempo tratou de estancar aquela irresistível aventura.
Após anos sem noticias ele a reencontrou em uma viagem a sua cidade. Sofia estava casada e era mãe de três filhos.
Observou que a sua juventude continuava quase intacta, e por alguns instantes não hesitou em colocar-se no lugar do seu marido, mas preferiu guardar as boas recordações de uma década e meia atrás.
Sofia era a lembrança mais gratificante de um verão em sua juventude, talvez o melhor verão da sua vida.
Da janela observo a neblina.
Densa, esbranquiçada, úmida e voraz
Cinco horas de uma tarde de inverno
Ela chega bem de mansinho
E aos poucos vai caindo sobre nós:
Se houver sol
Será esquecido
Se houver mar
Não será visto
Se houver chão
Então levitaremos
Vamos flutuar sob a neblina?
É como me faz sentir a toada de Suba
Que desapareceu repentinamente
Em meio à neblina
Deixando ao fundo o som
Para que eu pudesse ver
A incorporação da tal:
Neblina.
Saiu de casa aflita quase se esqueceu da própria bolsa. Percorreu as ruas até encontrar a avenida.
Foi na escadaria do Metrô que uma moça carreando um vistoso arranjo de flores do campo cruzou o seu caminho. Ela sorriu em sua direção e logo prosseguiu rumo a seu destino. Não tardou a chegar, visto que desceu duas estações à frente.
Já era quase hora do almoço, fazia frio e chovia quando adentrou no prédio em estilo Art Déco. Ansiosa apressou seus passos antes que a chuva a encharcasse de vez.
Encontrou alguém a quem chamava de guru. Ele lia cartas e búzios e, dele ouviu o que queria e também previsões menos otimistas.
Após quarenta minutos acenou com a cabeça, sorriu, sacou a carteira e pagou a conta.
Sentia-se bem, porém sabia que sua vida não poderia permanecer por mais tempo pendurada na dependência psicológica de um desconhecido.
Bateu em retirada, refugiou-se na quitanda da esquina enquanto aguardava a chuva passar. Bebeu um refrigerante, fumou um cigarro e concluiu:
Procurava por um santo, mas encontrara apenas um homem comum, e não houve nada de cósmico neste encontro.
Eu não quero ver você fumando ópio, pra sarar a dor
Eu não quero ver você chorar veneno
Não quero beber o teu café pequeno
Eu não quero isso seja lá o que isso for
Final de tarde nas ruas do Itaim Bibi. Carros bacanas circulam por entre casas e prédios, restaurantes e, hotéis de luxo. Tudo soa meio blasé pelas bandas do Itaim.
E quem são as pessoas que passeiam no Itaim?
Só sei que não são de outro mundo.
Um sorriso atraente, um olhar penetrante – azul da cor do mar – impossível resistir, e negar uma observação mais detalhada, apenas ‘pleno exercício de direito’ diriam alguns advogados.
Pelos cantos assisto ao desfile de meninos e meninas poeticamente perfeitos.
E como é linda a juventude!
Ouço da boca de alguém acostumada a lhe dar com a ponta oposta da pirâmide etária, o que torna a frase solta mais valiosa.
Na balada da hora, liberto pelo tempo e espaço ‘soft’ do Itaim, quase sem querer ouço uma conversa ríspida via celular entre um Apolo e seu pai Zeus:
-O senhor nunca me deixa falar, externar, aquilo que penso e sinto. Você me expulsou da sua casa, agora também vai me expurgar da sua vida? Eu ainda sou o seu filho, será que você se esqueceu disso?
A tristeza de Apolo comove, ele parece apenas reivindicar com aquela vontade de viver tão pertinente aos jovens, um canal mais eficaz e sincero de comunicação. É como se ele quisesse dizer: O que eu quero é honestidade Zeus!
Pai e mãe separados – qual a casa que esse mancebo chamará de lar?
Manoel Carlos diria que o Itaim é uma sucursal do Leblon – de fato daria um bom enredo de novela.
A noite cai e as luzes dos carros borram a minha visão junto com a chuva que cai sobre o Itaim, talvez as lágrimas do nosso Apolo, incompreendido e, empurrado tão cedo para a lacuna vazia do desamparo familiar, cada vez mais comum nessa sociedade viciada no consumo.
No final das contas quero intuir que Apolo fala através da sua rebeldia:
-Por favor, me deem pelo menos 150mg de afeto incondicional! Pai Zeus não me expulse do Olimpo, eu quero me apaixonar novamente por você!
-Apenas uma pílula de afeto, é tudo o que eu te peço!
Já era noite naquele 9 de novembro do ano da graça de 1989.
Estava em Berlim como alguém que ver cristalizar à sua frente um antigo sonho:
Caía o muro da vergonha, o muro da discórdia.
Era o fim dos blocos, da divisão Leste/Oeste, de um mundo configurado à base da força do pós-guerra.
Muro no Aurélio = parede forte que veda ou protege um recinto ou separa um lugar do outro.
Ruiu o monumento da tirania, uma separação anacrônica comparada somente à idade média. Enfim após 28 anos de cisma acontecia a reunificação da Alemanha.
A multidão festejava junto ao Portão de Brandeburgo o fim de uma era truculenta. Pais e mães pudiam finalmente reencontrar seus filhos e, familiares, até então meros estranhos eram apresentados depois de 28 anos de separação forçada.
O muro naquela noite e nos dias subsequentes transformou-se em uma autêntica passarela de carnaval. Todos dançavam, cantavam e batucavam em cima do que restara da intolerância materializada.
A Berlim de Jesse Owens, atleta medalhista de quatro medalhas de ouro nas olimpíadas de 1936 em plena vigência do regime hitlerista.
A Berlim das Asas do Desejo, “Der Himmel über Berlin” (1987) do cineasta Wim Wenders em seu duelo poético entre o divino e o efêmero.
A cidade de arquitetura arrojada, avenidas largas, prédios consistentes e maciços, atrativos culturais e, esportivos.
A Berlim de “Good Bye, Lenin!” (2003) dirigido por Wolfgang Becker, esta cidade e os seus moradores do leste e oeste martelaram aquele embuste à humanidade até o chão.
Eu imagino Berlim como uma espécie de Oz – colorida o suficiente para quebrar o monocromático de algum resquício de um passado tenebroso.
Imagino a minha Berlim como uma cena de cinema onde um personagem olha o espelho e diz a si mesmo:
-Eu sou alguém livre, preso apenas ao meu próprio vagar.
-Sou um amante sereno, um amigo afável e também difícil.
- Sou ocioso por vocação e sonhador por natureza.
-Sou contemplativo na medida do olhar – e não consigo enxergar Berlim (e a vida) sem a existência da poesia.
Pois lá está Berlim e já posso avista - lá:
William Shakespeare em pé sobre o Portão de Brandemburgo, o nosso guardião dos conceitos universais espia a multidão célere no seu vai-e- vem tresloucado.
Viro a rua e dou de cara com Clarice Lispector sentada no Café da Esquina.
Vou a um jogo do Hertha Berlin no Estádio Olímpico, e encontro com Nelson Rodrigues na arquibancada. Furioso, polêmico e intempestivo como sempre:
-Falta arte, falta sexo neste gramado verde!
Diria ele indignado com o futebol contemporâneo.
Kremlin, Berlim
Só pra te ver
E poder rir
Luzes, jasmim
Meu coração, vaso quebrado
Ilusão, fugir...
Nos meus sonhos Djavan surgiria cantando Topázio em meio ao inverno, da bela Berlim.
Na estrada rumo à catedral ele apenas pensava quase em voz alta, tal qual uma prece de louvor:
- Minha santa não te peço mais nada. Já tenho tudo àquilo que Deus me deu. Obrigado!
A trajetória de Geraldo é a rotina comum de um cidadão proletário. Sujeito trabalhador de origem humilde, trabalha há mais de vinte anos em uma padaria na Vila Clementino. Sua função também continua sendo a mesma: chapeiro.
Faça sol, faça chuva, lá está Geraldo às 5 da manhã aquecendo a chapa, de onde só saí depois das 3 da tarde. À noite vez ou outra ainda arruma tempo para fazer bico de garçom em eventos fechados. Tudo para prover o pão cotidiano de sua esposa e de um filho temporão.
Antes, durante a sua mocidade o seu maior prazer era encontrar os amigos do bairro para o famoso rachão de domingo.
Sua maior vaidade é ir à missa com seu único paletó listrado, já gasto pela ação do tempo. Das lembranças da infância guarda com ternura os passeios ao Estádio do Pacaembu, para ver ao lado do pai os jogos do seu time de coração:
-Vai curíntia! Vai curíntia!
Gritava a plenos pulmões com a paixão que só as crianças conseguem traduzir!
Conheceu uma São Paulo diferente quando ainda era possível transitar de norte a sul sem que fosse necessário passar horas a fio preso a um congestionamento. Cansou de subir a Rua Augusta de trólebus até a Avenida Paulista, era habitué de matinês de cinema, tinha predileção pelos faroestes, porque neles o mocinho diferentemente da vida real geralmente vencia os seus duelos.
De vez em quando frequentava mesas de botecos com colegas de trabalho na outrora romântica Avenida São João, quando batia seu violão cantando sambas de Noel Rosa e serestas de Sílvio Caldas e Orlando Silva.
O tempo não parou, e com o passar do tempo algumas coisas mudaram principalmente após enfrentar uma grave doença.
Ao descer da Van naquela tarde, os seus olhos marejados visualizaram o tamanho do milagre:
Geraldo prometera ir ao Santuário de Aparecida caso a sua graça fosse alcançada. Foi curado depois de ser desenganado pelos médicos.
Perdera o vasto bigode, ganhara um semblante cansado, com rugas, cabelos brancos, certo ar de envelhecimento e abatimento, mas naquele instante sorria como nunca antes na vida.
Foi assim que adentrou na imensa nave da imponente Basílica. De lá avistou a linda abóboda do Santuário de São José e, de joelhos no altar rezou pelas pessoas que acreditavam em sua cura.
Foram minutos de profunda retidão, sua fé inabalável misturava-se a imagem comovente de um homem entregue nos braços de Deus. Suas únicas palavras foram:
-Obrigado pai, muito obrigado! Acho que não sou mercedor...
Geraldo voltou para casa naquela noite como alguém que retorna de uma guerra. Não sabia por que estava vivo, mas sabia muito bem como viveria os anos vindouros.
Na manhã seguinte a sua rotina prosseguiu intacta: família, padaria, chapa, trabalho, fé, suor e, saúde.
Gustavo era um homem modesto, um menino adorável. Cresceu assistindo no seio familiar uma guerra quase surda entre os pais.
Água e fogo, doçura e teimosia, viés de um mesmo laço.
Ouvia de longe os sons da banda do quartel militar da esquina, foi o seu primeiro contato com o onírico.
Quando jovem descobriu que não pertencia a lugar algum, apátrida, assim sentia-se no mundo.
Aos poucos percebeu que o caminho estava mesmo ali, na música, que curiosamente seu pai (fogo) lhe incentivara a trilhar.
Conheceu a cidade das catedrais e tantas outras, mas foi na bela Viena que debutou a brilhar em uma carreira profissional. Escreveu sinfonias atemporais e, com elas derrubou antigas fronteiras, abrindo espaço para um novo tempo.
Mas um coração não vive apenas de partituras, então o amor o visitou numa tarde de primavera. Dele duas sementes brotaram e, infelizmente uma sucumbiu anos mais tarde revelando a ele a outra face da dor.
Perambulou por aí, não havia mesmo limites para sua musicalidade – foi quando compreendeu porque na América ‘a época da inocência’ exalava ódio em espécie.
Voltou para casa (mesmo sendo um apátrida) todos temos um lar. Preparou-se para o inadiável encontro final, escrevendo como nunca obras recheadas de humanidade.
Foi quando em 1911 tornou-se definitivamente imortal.
Raulzito. Eis aí um artista popular brasileiro com letras maiúsculas, na minha opinião até mais popular do que Roberto Carlos (mas que heresia moço!).
Ouro de Tolo é clássico dos anos 70 – ditadura, milagre brasileiro, família, religião – lembram disso na aula de história?
Pois é, Raul Seixas era o ídolo preferido dos adolescentes do começo dos 80’s.
Eu tinha dois colegas de classe na escola, o Júlio César e o Marcelo Passos, que eram enfeitiçados pelo Raul. De em vez em quando lá estavam os dois burlando a segurança para adentrar em um show do Raul, era bem divertido ouvi-lós contando as histórias e aventuras dos shows do Raul Seixas. Algo místico para eles, na época um pouco distante para a minha realidade, mas eu curtia ouvir aquilo tudo bem adolescente, fantasioso, mas com um fundo bem real.
Com esta canção Raulzito cravou os dois pés no ego inflado da classe média brasileira – e ego é como aquele boneco inflável, o João Bobo –
Balança, balança, e não sai do lugar.
Uma lembrança após mais de vinte anos da morte do maluco beleza, e cada vez fica mais claro, com a distância que só tempo nos cofere, quem era quem na dupla Raul Seixas, Paulo Coelho. Um era a honestidade, a transparência altiva travestida de loucura. O outro o marqueteiro, a publicidade a favor de alguma causa monetária, é claro. O áudio do discurso de Raul no final do vídeo diz tudo, preste atenção.
“Aqui tudo parece que ainda é construção mas já é ruína”.
Em sua primeira visita ao Brasil para fundação da USP, Lévi-Strauss relatou:
"Ao ver aqueles professores miseravelmente pagos, obrigados, para comer, a fazer obscuros trabalhos, senti orgulho de pertencer a um país de velha cultura, onde o exercício de uma profissão liberal era cercado de garantias e de prestígio".
O antropólogo francês nascido na Bélgica deixou-nos no último dia 30 de outubro, seu legado ficará entre nós por muito tempo, mas não o suficente para vermos um país diferente daquele que com espanto ele espiou nos anos 30 do século passado.
Caetano Veloso é um apaixonado pelos estudos de Lévi-Strauss, apesar do pessimismo intelectual do antropólogo em relação ao Brasil.
Foi assim que Caetano citou direta e indiretamente fragmentos da obra de Strauss em letras de suas canções. Aqui dois belos exemplares da inspiração do longevo antropólogo francês sobre o nosso baiano.
Existem situações na vida em que você pergunta a si próprio:
What have I got to do to make you love me?
What have I got to do to make you care?
E você ouve um piano no escuro, você não vê, mas ouve.
“É de noite que tudo faz sentido
No silêncio eu não ouço meus gritos”.
E de repente surge o Mr.Óculos arpejando aquele piano, cantando serenamente a melodia da salvação.
Ele parece buscar com sua voz um braço para amparar a solidão de quem a ouve, procura por seu amor próprio, pelo caminho de casa.
E você lembra de um poeta torto sussurrando em seu ouvido uma letra que ainda te fere,
“O tempo todo
Estou tentando me defender
Digam o que disserem
O mal do século é a solidão
Cada um de nós imerso em sua própria
Arrogância”,
E Elton John continua derramando sensibilidade ao piano enquanto você está triste no escuro, mas não há mais tempo para chorar, a balada está por um fio...
Você olha para objetos inanimados, percebe os lustres, a pouca luz...
Tragam os cavalos dançarinos, deixem-nos passar por entre nós, através dos campos e fazendas. Lá estão os cavalos dançando enquanto a voz melancólica de Ian McCulloch enche o auditório.
Está bem frio (no vídeo), mas Ian nos aquece com este belo hit dos ingleses de Liverpool do Echo and The Bunnymen, uma das minha bandas favoritas dos anos 80, saudando mais um lindo dia de sol em São Paulo.
Algumas perguntas ficam no ar (se não despencarem é claro) após episódio tão bizarro.
- O que passa pela cabeça desta molecada?
Engraçado. Ganhar mesada do papai pode. Gastar a mesada com drogas e bebidas pode. Andar feito louco pelo trânsito das grandes cidades pode. Espancar e queimar mendigos, prostitutas e, quem mais cruzar pelo caminho também pode. Mas não pode uma garota usar uma minissaia na faculdade que agride a “moral” da juventude universitária?
Pera aí! Tem alguma coisa muito errada nisso tudo. Ou vivemos em um mundo achincalhado mesmo, ou, as coisas estão todas realmente fora do lugar.
Por hora acho melhor ouvir o Teenage Fanclub que pelo menos não agredia ninguém por usar uma roupa X ou Y.
Sinceramente é o fim da picada! Ou, será o começo?
E o Caetano tinha mesmo razão:
"Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir, este ano, uma música, um tipo de música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado? São a mesma juventude que vão sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem?"
E o pior de tudo é que hoje eles nem querem mais tomar o poder. Patético não?
Visitei na última sexta-feira a Exposição "Virada Russa", no Centro Cultural Banco do Brasil do centro de São Paulo. Entre quadros, documentários e, colagens, pude ouvir ao fundo a música russa do século XIX.
Este povo que durante muito tempo foi hostilizado gratuitamente pelo ocidente, é simplesmente encantador. Daria tudo para ver como um brasileiro consegue se virar naquele frio, em condições climáticas tão desfavoráveis.
Lembrei-me da obra de Mikhail Bakhtin (1895 - 1975) “Cultura Popular na Idade Média: o contexto de François Rabelais”, e aprendi com ele algo sobre a representação do carnaval na idade medieval.
Acima a Orquestra de St Petersburg executando uma peça de Mihail Ivanovič Glinka, músico que recebeu um bela homenagem em 1975 quando teve o seu nome batizado em um asteróide.
Como se vê, nem só de Vodka vive o povo russo, muito pelo contrário! Seria mais ou menos como dizer que nós brasileiros só gostamos de samba e futebol! No final das contas é quase isso!
A exposição apesar de simples coloca a nossa imaginação pra funcionar fortemente.
Figurinha fácil na lista entre as melhores bandas desta década, o Killers é uma mistura bem eclética de tudo que rola, de bom ou ruim no cenário pop. Com isso continua a tal ‘invasão inglesa’ , mesmo após quatro décadas.
Pra fechar um domingo finalmente com cara de primavera. Será que ela chegou pra valer?