Arnaldo Jabor com sua ironia cínica e corrosiva deu a partida: “Seja um idiota, a idiotice é vital para a felicidade”. Então sejamos idiotas, fechemos nossos olhos, “o que os olhos não veem/o coração não senti”, ignoremos pelo menos por alguns instantes a dura realidade cotidiana:
Sorria, o nosso país é o único da América Latina capaz de perdoar os assassinos e torturadores fardados da ditadura militar;
Dê risada afinal somos pródigos – conseguimos emitir mais carteiras de habilitação do que novos registros nas carteiras de trabalho.
Vamos celebrar o pré-sal, celebrar os acordos do sistema elétrico que o país fez com a Bolívia e com o Paraguai;
Vamos celebrar o apagão e, viva o ministro Lobão que entende tudo e um pouco mais sobre energia elétrica, o cara é um expert também em explicações razoáveis sobre o motivo do blecaute;
Mas que maravilha! Vamos sediar a Copa do Mundo e as Olimpíadas, e mesmo antes do ínicio já somos ouro em algumas categorias:
- Melhor obra superfaturada – somos imbatíveis, e dessa vez estamos nos superando!
- Melhor suplementação de verbas federais – não existe no mundo um Governo tão bonzinho quanto o nosso, o dinheiro acabará cedo, mas Lula e o próximo presidente serão solidários ao esporte!
- Melhor tiro ao alvo – o Rio de Janeiro é a Bagdá da América Latina, será que os atletas usarão coletes antibalas? Quem sobreviver verá!
- Melhor infraestrutura e planejamento – é bem possível que haja um pequeno atraso na entrega das obras, mas nada que comprometa a competição: Um dia antes está bom pra você?
- Somos medalha de ouro também na categoria confundir conceitos e idéias, daí a grande falácia de chamar direito do consumidor de cidadania, coisa ainda inexistente neste gigante por natureza;
- E o que dizer então do uso privado da esfera pública, da roubalheira institucionalizada, e se você é honesto é porque você é um banana, um pobre burro, um grande otário! Ou seja, o brasileiro é um povo extremamente competitivo – adora tirar vantagem em tudo, custe o que custar!
- No próximo quesito somos os campeões do mundo, do universo, e de todas as galáxias conhecidas até hoje:
- Melhor povo boa praça - pacífico, gentil, alegre por natureza! O mundo desabando em nossas cabeças, os caras (políticos) sacaneando com o país inteiro e ninguém parece preocupado, somos tão tranqüilos, serenos e compreensíveis! No Brasil de norte a sul ninguém gosta da palavra debate, não sabemos debater idéias sem que a coisa seja levada para o lado pessoal.
Adoramos novelas, os Big Brothers da vida, e a vida vazia das celebridades porque somos campeões da fofoca, da bisbilhotice e de enfiar o nosso nariz no doce alheio. Mas somos incapazes de sair às ruas e reivindicar os nossos direitos por conta própria, jamais! A não ser que a Rede Globo por algum interesse insinue tais ações, como no caso Collor.
Podemos até sair para protestar contra a visita do Bush ao Brasil, mas não temos culhão para exigir o fim da bandalheira lá de Brasília, a saída do Sarney, ou vociferar contra o massacre impiedoso de uma criança inocente no Rio de Janeiro, só pra citar alguns exemplos recentes.
Preferimos mesmo uma vida de sonhos: Pode ser com a TV de Plasma de 49 polegadas, com o condomínio fechado, blindado e seguro, com o carro zero quilômetros, com a viagem ao exterior, é tão mais fácil, afinal de contas não iremos mesmo mudar a situação de quem mal come, mal estuda, e não tem perspectiva alguma de vida.
Celebremos então o nosso eterno egoísmo com uma salva de palmas para a nossa classe média que é uma beleza! Embarca de primeira em qualquer barca furada, e dá à vida em troca de um ‘ingênuo’ sonho de consumo!
Se solte, sorria, e depois dê aquela gargalhada rasgada porque, “somos os filhos da revolução/somos burgueses sem religião/nós somos o futuro da nação/geração Coca-Cola”.
Um brinde a nossa capacidade étnica, a nossa coragem invejável, aos nossos devaneios! Saúde, povo brasileiro!
Somos a mistura perfeita das raças, o país do futebol e do samba. Somos o eterno futuro que teima em não chegar, mas o “pulso ainda pulsa!
Trilha Sonora Artista: Legião Urbana
Música: Mais do Mesmo
Jack White entra fácil em qualquer lista de melhores da década. Guitarrista, compositor, cantor e produtor musical, se notabilizou com o duo White Stripes no início dos 00, mas seu trabalho vai além.
Aqui com um dos seus projetos paralelos, The Raconteurs, executa o hit "Steady, As She Goes".
Trilha Sonora
Artista: The Raconteurs
Música: Steady, As She Goes
Passeio pela calçada
Esbarro em olhares fortuitos
Respiro a fuligem
Em um dia de sol a pino
Na loja da esquina
Alguém tentou matar outro alguém
Ninguém morreu,
Mas não foi por falta de insanidade
E na vizinhança
Um ator decrépito passeia de Havaianas
Bêbado, sujo, desamparado
Agredindo verbalmente
A quem não conhece seu passado
Ah! Decadência
Traz-me lembranças do auge
Porquê no final das contas
Todos nós um dia
Iremos decair
Flor a flor
Pétala a pétala
Pó sobre pó
Até definhar
E dizer
Chega...
Trilha Sonora
Artista: The Verve Música: Weeping Willow
Alvoroço na pequena Bedford Falls, onde as crianças corriam por entre ruelas ascendendo velas e cantando alegremente cantigas natalinas, pois já era véspera de natal.
Ele não era o baluarte da vila, ao contrario, despertava olhares e comentários maldosos em virtude da sua peculiar transparência infantil.
Naquele final de tarde juntou-se a outras crianças para flanar livremente pelas ruas estreitas do vilarejo. Escondia-se da mãe – já envelhecida por uma vida aflita e repleta de sobressaltos.
- Dante... Dante...
Clamava a voz rouca da mãe à sua procura.
Já passava das seis da tarde e o nosso pequeno intrépido esquecera-se do relógio, da noção ‘adulta’ e responsável do famigerado tempo. Brincava sem timidez entre meninos e meninas sorridentes – dentes branquinhos e as habituais janelinhas dos sete anos de idade.
A noite aproximava-se rapidamente e com ela o frio de dezembro que soprava um vento gélido à soleira, deixando ainda mais úmida a humilde casa. A mãe de Dante preocupava-se com a teimosia do pequeno varão, pois o padrasto do garoto já dava suas truncadas passadas rumo àquele lar. Gostava de ter a doce ilusão de que todos em casa estavam ali diariamente exclusivamente à sua espera, confundindo medo com afeto, presença com obediência e, faltando-lhe por completo o amor.
Alheio ao perigo, Dante conversava com Camila – uma lourinha magricela com um lindo par de olhos azuis e abundante sardas espalhadas por um rosto angelical:
-Como será o natal em sua casa Dante? O que você pediu ao Papai Noel?
Perguntara a festiva Camila.
-Ah! Camila, meu padrasto não gosta muito de natal e, eu tenho que dormir cedo.
-Você não ganha nenhum presente?
-Eu não... E você ganha? Quantos?
A conversa despreocupada entre as duas crianças sugeria a dura realidade do pequeno Dante. Era assim: Ao badalar da meia-noite o garoto saía escondido do seu quarto em direção a saleta de sua casa. De lá, por entre uma pequena fresta observava com olhos arregalados e de queixo caído os festejos de natal pelas ruas da pequena vila.
Gostava das luzes coloridas, dos fogos, da correria das crianças, um verdadeiro labirinto de emoções, mas o garoto pensava em Francesco, seu irmão mais velho – vítima de poliomielite e que vivia entrevado sobre uma cama, e por isso, raramente ausentava-se do seu quarto, o último e mais sombrio do casebre da esquina.
À noite antes de dormir Dante sempre rezava baixinho apalpando a escuridão de olhos fechados e joelhos fincados no chão gelado e úmido em seu singelo quartinho:
- Senhor Jesus obrigado pela vida, pela saúde e por tudo o que tenho. Por favor, tome conta do Francesco, da mamãe e do meu padrasto. Amém!
Naquela véspera de natal, entretanto algo diferente aconteceu. Seu padrasto adormeceu repentinamente após bebericar alguns copos de run, e foi então que a magia acordou para a luz.
-Dante meu querido, vamos trazer Francesco para a sala, pois hoje é noite de natal! Vamos aproveitar enquanto o senhor Scrooge dorme pesadamente o pesadelo de sua não vida.
E assim Dante, Francesco e Matilda puderam desfrutar do primeiro natal juntos em suas vidas.
Cantaram baixinho e alegremente por toda noite, recitaram versos, enfeitaram um pinheirinho com bolinhas coloridas e comeram das rabanadas preparadas por Matilda.
Dela ouviram um conto sobre um garoto que morrera de frio próximo a uma lareira na vila em uma véspera de natal tempos atrás.
Dante presenteou Francesco com um cachecol felpudo que ganhara de Camila naquela tarde.
- É para que você não sinta tanto frio à noite Francesco.
-Obrigado Dante! Infelizmente não tenho nada para te dar! Mas, venha até aqui, por favor.
Ao se aproximar de Francesco, o pequeno Dante acostumado às surras do padrasto estranhou quando o irmão estendeu sua mão gelada tiritando de frio e pediu-lhe um abraço.
Deu-se um abraço longo e intenso, colado, caloroso e infinito...
-Pronto meu irmão! Este é o único presente que eu posso lhe dar.
A mãe comovida sorriu e desejou que os natais seguintes pudessem ser um retrato do que seus olhos ali presenciavam. Então desceu ao porão para buscar mais lenha.
Naquele natal, no casebre humilde daquele vilarejo, ninguém apanhou e, ninguém chorou por falta de afeto.
O natal de Dante, Francesco e Matilda era o espelho de outra história que não envelhece, e que também fala do insuperável valor da doação, e da paz que inexplicavelmente se faz eterna.
Sucesso de 1983, Save A Prayer, traduzia bem o que era então o Duran Duran, banda inglesa porta-voz do chamado movimento new-romantic dos anos 80.
Nesta apresentação durante a turnê de 1984 pelos Estados Unidos, o vocalista Simon Le Bon dedica a canção ao cantor Marvin Gaye, então recém falecido.
Observem a parafernália eletrônica utilizada principalmente pelo tecladista Nick Rhodes, alguns computadores que a moçada de hoje daria risada, ou, perguntaria de que museu haviam saído aquelas “tralhas”.
Outra curiosidade são os isqueiros nas mãos dos fãs da banda, hoje em dia quem faz a festa nos shows são os celulares.
Pra matar saudade, sem afirmar que era melhor ou pior, se não eu posso ser trucidado via web.
Let me see what spring is like On jupiter and mars"
"Às vezes eu quero chorar Mas o dia nasce e eu esqueço Meus olhos se escondem Onde explodem paixões E tudo que eu posso te dar É solidão com vista p'ro mar Ou outra coisa p'rá lembrar
Eu não sei dançar
Tão devagar p'rá te acompanhar" (Marina Lima)
Frank Sinatra é um dos precursores daquilo que chamamos pop. Sua carreira foi impulsionada por discos que atenderam uma nova prerrogativa: Síntese narrativa, se preferir, conceito artístico.
Foi assim que Mr. Blue Eyes conseguiu reerguer uma carreira que parecia fadada ao ostracismo em meados dos anos 50, para depois brilhar intensamente por mais quatro décadas.
Francis Albert Sinatra morreu em Los Angeles em 14 de maio de 1998. Na noite de sua morte o topo do Empire State Building ficou azulado em homenagem aos famosos olhos do cantor e ator norte-americano.
Banda inglesa pop em uma de suas primeiras apresentações na TV, Programa “Jools Holland” em 2006. Os Klaxons foram rotulados de neodisco, mas seu som é uma variação que prefere não ter rotulações.
Água com açúcar bacaninha vale o registro. Aquiuma versão acústica para o mesmo hit.
E de repente me bateu uma saudade desta música. Do clima espacial, cósmico, estranho e ao mesmo tempo arrebatador que ela inspira. Queria poder ouvir novamente este sax flutuando e, então levitar por entre as notas musicais de “Us And Them”.
E, com ela dormir e sonhar... sonhar...
Trilha Sonora Artista: Pink Floyd Música: Us And Them
No desamparo do frio andava pela rua deserta. Era tarde da noite quando cruzou no trajeto com mendigos, cachorros e gatos, cada qual com sua dignidade, seus próprios anseios e temores.
Naquele momento recordou da sua infância, da sua mãe e, por alguns segundos contou na mente a fisionomia de cada um dos seus irmãos.
Com uma lágrima por cair perguntou em voz alta com um olhar perdido:
-Meu Deus... quantos deles resistiram a tudo isso?
Ele morou na rua por cinco longos anos, até a manhã de uma quinta-feira nublada, quando foi encontrado sem vida dentro de uma lata de lixo na cracolândia paulistana.
Este sim era mais um legitimo filho do Brasil.
Trilha Sonora Artista: Renato Russo Música: Gente Humilde
Vale louvar a coragem de alguém no Brasil – um país tido como referência musical, etc e tal - uma cantora decidir cair na melodia ‘somente’ aos 22 anos de idade.
E Ana Cañas parece saber muito bem por onde trilha. Base musical ela tem, pode até faltar algo aqui ou ali, mesmo assim ainda acredito mais na força do “sexo” (suingue, jeito, emoção) para compor a estrutura de um artista, do que escola de música formal e o escambau a quatro.
Bem, o resto cada um que tire a sua própria conclusão.
Eu, aqui apenas recomendo.
Aconteceu quando eu trabalhava em uma cia.aérea no aeroporto de Guarulhos durante os anos 90. Eu fazia o translado por dentro da pista de passageiros vindos de países da América do Sul que não podiam desembarcar em São Paulo, pois estavam apenas realizando uma conexão por estas bandas.
Certa vez encontrei uma passageira Bósnia vinda da Argentina, estava realizando a sua viagem de volta para Sarajevo após a guerra.
Então perguntei a ela o que esperava encontrar em sua cidade. (acho que foi uma pergunta infeliz para aquele momento). Ela apenas olhou para mim, sorriu enquanto seus olhos enchiam d’água. Não precisava dizer mais nada. O que vi através dos seus olhos era um misto de tristeza, revolta e muita esperança por dias melhores. Ela contou que havia perdido diversos amigos e parentes durante o conflito, mesmo assim era a sua terra natal, continuava amando incondicionalmente seu povo, apesar da guerra.
Toda guerra é estúpida, brutal e insana. Esta canção do U2 me faz recordar daquela noite, daqueles quinze minutos em que conversei com alguém que havia vivido a pior experiência possível sobre o que é uma guerra, sobre o tempo de recomeçar das ruínas.
Dici che il fiume
Trova la via al mare
E come il fiume
Giungerai a me
Oltre i confini
E le terre assetate
Dici che come fiume
Come fiume...
L'amore giungerà
L'amore...
E non so più pregare
E nell'amore non so più sperare
E quell'amore non so più aspettare
Is there a time for tying ribbons
A time for Christmas trees
Is there a time for laying tables
And the night is set to freeze
Trilha Sonora Artista: U2 Feat. Luciano Pavarotti Música: Miss Sarajevo
Eu queria ser um piano
Na noite que se esquiva
Da tortura, e da sina
De terminá-la sozinho
Sim,
Eu desejo ser o piano de Tom Waits
Quero caminhar por uma cidade fantasma
Entre ruas, prédios, casas e fábricas abandonadas
Um cenário desolador
Enquanto ouço os acordes
Dolorosamente tristes do piano
Ah! a noite
Num cabaré enfumaçado
Com o piano de Tom Waits
Parece bem escura
Triste e sozinha,
Mas os acordes me arrebatam
Com sua poesia áspera e apaixonante
Eu queria ser um piano
Para nunca... nunca...
...Deixar...
A emoção escorregar
Por entre meus finos dedos.
Tarantino é o cara! Em “Bastardos Inglórios” ele retorna á sua grande forma. Não falo aqui de cinema ‘fast food’, trata-se de culinária nobre.
Subverter a história com agá é coisa para poucos – e aí entra em cena Quentin Tarantino “brincando” com detalhes que nos assombram.
Três estórias que quando se esbarram brilham, ou melhor, explodem em um apoteótico desenlace final.
Esqueça o politicamente correto, ele não faz parte da cartilha de Tarantino – e quem nunca desejou um segundo sequer na vida em queimar o seu pior inimigo?
Mas não se trata disso.
Bastardos Inglórios resgata o próprio cinema – o jeito de se fazer um cinema acessível sem que se caia na tentação da receita pronta fácil dos blockbusters. Com maestria sua obra resgata a linguagem, o sonho, a fantasia, o humor negro refinado. Se faltava algo épico na telona em 2009, Tarantino a preencheu!
Se a vida imita a arte, sob o ponto de vista de Tarantino ela sempre será divertida.
As Vozes Búlgaras...
Um sopro de vida contra a desesperança
A luz que emana d’alma
Quando se tem apenas
A voz
Para interromper
Uma vida inteira
Composta por muitos silêncios...
“Le Mystére Des Voix Bulgares passa uma sonoridade pastoral - numa sugestão das próprias montanhas balcâmicas - em todo o mistério da civilização, arte e cultura de raízes de uma das regiões do mundo praticamente desconhecidas a nossos poluídos e colonizados ouvidos”.
Um presente divino!
Trilha Sonora Artista: The MAGIC Of Bulgarian (Nellie Andreeva) Música: Malka Moma / Little girl
Hoje eu acordei meio Nei Lisboa
Com um olhar duro,
Perdido e tristonho –
Então me lembrei de
“Te lembrar”,
A canção bela e singela,
Porque o simples é sempre mais bonito
E afaga aquela tristeza que todo
Poeta carrega em sua alma
Quando a melancolia bate
E a solidão impertinente rodeia
E se algumas lágrimas vierem me visitar
Deixe estar
Pois, as lágrimas são as palavras da alma.
Trilha Sonora Artista: Nei Lisboa Música: Pra Te Lembrar
Assistir a um bom filme ainda pode ter os seus encantos. Isso se confirma quando o filme em questão é de Pedro Almodóvar.
No frio fora de época do sábado, na sala 1 do Reserva Cultural, um encontro com “Los Abrazos Rotos”, novo filme do cineasta espanhol.
Olho para os detalhes do antigo Cine Gazetinha – e lá está uma foto de sua inauguração, mas não é uma foto qualquer: Sophia Loren, a própria, na abertura daquela casa em 1967.
Assim o começo daquela sessão não poderia ser mais promissor.
Mateo Blanco, ou, Harry Caine? Faça a sua escolha.
Almodóvar nos brinda com duas narrativas que correm em paralelo sobre o mesmo homem, o diretor e roteirista Mateo Blanco (Lluís Homar).
A película contém cenas memoráveis, que tornaram o sábado deste narrador menos monótono.
Com enredo e roteiro convincentes, “Los Abrazos Rotos” traz as cores e o melodrama com pitadas de humor à moda “almodovariano”, e também pode ser compreendido enquanto o retrato de um afeto maduro, da melancolia que aflige o ser humano quando algo frustra sonhos, planos e termina por arruinar o curso “normal” da vida.
Por isso a metáfora com o cinema não poderia ser mais feliz ao cutucar tal ferida.
Então surge na tela o amor de Mateo por sua estrela de última hora, Lena, vivida por Penélope Cruz (em grande atuação) e deste encontro assistimos momentos de pura sensibilidade:
Uma praia linda, Villa Famara, um casal e sua paixão capaz de irromper barreiras caminhando com o som de Cat Power ao fundo – e como um mau pressentimento o vento que sopra carrega um jornal e, com ele noticias e razões que levarão o amor de Mateo e Lena a uma encruzilhada que resultará em súbita e brutal separação.
A parti daí descobrimos o porquê da existência do pseudônimo Harry Caine na vida de Mateo Blanco.
Com suas personagens encantadoras como, Judit Garcia (Blanca Portillo) e seu filho, Daniel (Tamar Novas), e outros mais canastrões – observe o empresário Ernesto Martel (José Luis Gómez), Almodóvar prende o espectador na poltrona por cerca de duas horas e meia, com direito a risos e lágrimas.
Sua possível ‘fraqueza’ no final da película causa-nos a nítida impressão que o quebra-cabeça que pode ser a montagem de um filme, ou, os próprios meandros da vida, são montados e remontados inúmeras vezes.
Los Abrazos Rotos não deixa de ser um conto sobre a superação humana, pois mesmo quando tudo parece às escuras, até mesmo nestes momentos ainda é possível enxergar e se emocionar com as cores impressas por Almodóvar.
Parece o mar
Em suas ondas oscilantes
Da calmaria à tempestade
Em poucos segundos
Da serenidade à loucura
Som e fúria
Paixão,
Acalanto e desespero
Morte e vida.
A Sinfonia n°2 de, Gustav Mahler, intitulada – Ressurreição - é uma jóia rara. Nela Mahler Faz uso de grande orquestra, inclusive de músicos nos bastidores, fora do palco, algo não usual.
Nesta sinfonia, a escrita contrapontística de Mahler é um fato que nos prende, hipnotiza. Muitas vezes, o compositor pensa de forma polifônica e é possível seguir a linha de cada conjunto de instrumentos: cada linha é independente, tem um sentido e é indispensável para o todo.
Aqui um pequeno trecho da sinfonia regida pelo Maestro Leonard Bernstein.
Nunca ouvi nada antes mais próximo do que seja uma ressurreição. Malher conseguiu intuir, trouxe uma mensagem poderosa, magnífica sobre o poder da vida e o desespero da ausência dela.
A condução de Leonard Bernstein também é rica, digna da mais pura lágrima, talvez a melhor tradução ao sublime espetáculo da ressurreição de Gustav Mahler.
Muito molho neste funk com nuanças de disco, samba e outras disritmias.
Esse som fez a cabeça de muita gente décadas atrás. Dia com direito a sonzeira das antigas, até porque hoje é dia de ouvir a Black Rio acelerando a sua locomotiva com seus metais e seu remelexo.
Há um frescor na manhã
Que racaí sobre os lírios
Há um vento que sopra do norte
E um céu para cada arco-íris
Não norteio minha vida,
Assim como o besourinho perdido no jardim
Cheira as flores, voa rasante,
Mata a sede nos pingos da chuva
E nele quase se afoga
Nasce, cresce e morre no mesmo éden
Eu,
O besourinho perdido,
O jardim...
Há um rio que esvai
Em corredeiras oscilantes
Não tenho mais esconderijo
Neste reino
Chamado
Vida
Trilha Sonora Artista: Brian Eno Música: By This River
Talento de sobra e, cuca de menos. Essa é Amy Winehouse.
Sua voz, sua folha corrida de escândalos, internações, boataria, etc.
Dizem que ela lançará em breve uma boneca. Imaginem só a bonequinha da Amy em várias versões:
- Versão Clínica de Reabilitação
-Versão Casa de Repouso
-Versão visita ao noivo na penitenciária
Só pra citar algumas.
Brincadeira à parte, Amy Winehouse, quando canta é um monstro. Talvez suas dúvidas, seus pesadelos, medos e excessos, desapareçam no instante em que transforma sua voz em música.
A minha geração se esgoelava pra cantar esse refrão, uma canção que tirava sarro e ao mesmo tempo criticava um estado de coisas. O que canta a garotada hoje em dia?
- Mãe me dá grana pra eu torrar no shopping com as minhas amigas.
Não sei, sou chato mesmo e, estou envelhecendo. Vejo um mundo sem rumo, sem critérios, sem comunicação, confuso, talvez seja a minha velha amiga miopia, e com certeza não era diferente no tempo dos meus pais.
"Na galeria
Cada clarão
É como um dia depois do outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Cantando a poesia
Que entornas no chão".
(Chico Buarque).
O que uma galeria comercial pode nos enredar sobre as virtudes e carências da globalização? Não é bem esse o intuito principal do jovem diretor argentino Daniel Burman com sua película "El Abrazo Partido" (Argentina, França, Itália, Espanha, 2004), mas durante seus 97 minutos podemos sim visualizar uma babel partida, dividida, e por vezes indiferente frente ao processo pós-moderno da globalização.
Segundo filme em sua trilogia - "Esperando o Messias" (2000), e "As Leis de Família" (2006) - desta vez Burman recria uma Bueno Aires - ainda em grave crise econômica - a partir de uma galeria comercial no centro da cidade, revelando através do olhar de mais uma personagem com o nome de Ariel - o ator uruguaio Daniel Hendler - as celeumas possíveis no cotidiano de um autêntico mosaico de etnias, credos e cores latino-americanos com suas respectivas ancestrais européias.
O jovem Ariel Makaroff é um comerciante da comunidade judaica argentina que busca desesperadamente compreender as suas raízes nesse novo mundo transnacional, duelando com sua mãe acerca do desaparecimento do pai, semeando com sua avó as lentes doloridas da guerra, para colher no futuro quem sabe uma compreensão mais plausível dos seus colegas latino-americanos da galeria portenha.
A narrativa de Burman brilha quando opta por contar uma história de relações rompidas de um modo bem-humorado sem cair na tentação de transformar esse drama em um dramalhão choroso e copioso.
Assim de maneira leve assistimos ao desfile de personagens éticas: Os peruanos, bolivianos, paraguaios a chegada dos coreanos, todos deslocados e migrando para o convívio na babel portenha com toques europeus e de idéia comercial norte-americana.
A tentativa de Ariel de buscar na Polônia soluções e respostas para os fragmentos de sua vida soam como um recurso inteligente e sarcástico de Burman para ascender em nós a chama discursiva de que a globalização de lá não difere da mesma que praticamos em nossas galerias cotidianas daqui.
Ou será que o destino do Ariel da Polônia não seria o mesmo do boliviano, do paraguaio ou do peruano da capital portenha? Os conflitos e tensões estão postos sobre a mesa, a globalização nos impôs uma nova percepção das relações humanas, e podemos escolher se queremos olhar tudo sobre o ponto de vista meramente observador - como são as tomadas panorâmicas da personagem Ariel no início do filme - ou se de modo oposto faremos isso enfrentando um plano americano frontal, expondo e interagindo com suas perceptíveis causas e consequências.
El Abrazo Partido (Argentina, França, Itália, Espanha, 97 min). 2004
Elenco: Daniel Hendler, Adriana Aizemberg, Jorge D´Elia, Sérgio Boris.
Distribuição: Art Films
Trilha Sonora
Artista: Chico Buarque
Música: As Vitrines