Meus nervos vão gritar mais alto
E mesmo sem te ver
O teu cheiro varre a madrugada em mim...
Fazia
frio e o sereno dispersava seu brilho úmido sobre as antigas pedras de paralepipido,
à meia luz, quase fim de madrugada e, ela sozinha caminha sem destino certo,
tal qual órfã longe de abrigo...
Vejo adormecer e repetir um dia de saudade...
A
alvorada não traria tanta esperança e luz desta vez,
E se você ouvisse
alguém dizer que não cometeu suicídio na fase mais sombria de sua vida, apenas
porque se estivesse morto não poderia mais beber.
O que você faria?
Bem, eu ficaria quieto,
pois cada um sabe o tamanho e a profundidade da sua dor, de suas incapacidades,
traumas, impotência frente a problemas e muros que a vida nos impõe diariamente,
enfim cada um de nós convive com sua própria tragédia pessoal e, infelizmente não
há muito como fugir disso.
A frase em questão foi
de Eric Clapton, no auge de sua depressão e alcoolismo. Sim parece difícil acreditar
que alguém tão talentoso e sensível artisticamente possa um dia ter dito isso.
Nem tanto, afinal o
artista quando sofre parece sofrer mais do que nós, levando a fundo a carga
pesada do sofrimento.
Após um hiato de alguns
anos sem gravar e nem realizar shows, o guitarrista ressurgiu durante os anos
70 para registrar talvez a melhor fase de sua música. Com o seminal Derek And
The Dominos gravou um disco pra lá de bonito, repleto de canções marcantes como
a lindíssima Bell Bottom Blues e a antológica e inesquecível Layla.
Anos mais tarde Eric passaria
por mais uma tragédia pessoal com a morte prematura de seu então único filho, Conor
de quatro anos.
Um pouco dessas
referencias e historias estão retratadas no documentário "Life In 12
Bars", sobre a vida pessoal desse gênio das guitarras, que faz questão de
não dissociar seu trabalho e talento de seus momentos dolorosos, prestando
deste modo um relevante serviço a quem imagine por ventura que a vida de um artista esteja imune a um cotidiano repleto de dissabores, dificuldades e até mesmo trágicas passagens nada
glamorosas.
Clapton é humanizado
como pouco vezes o cinema conseguiu, gerando sem dúvida uma empatia direta com o
público, fãs ou não de sua maravilhosa obra artística.
O seminal álbum
do cantor e compositor Marvin Gaye “What’s Going On” – lançado em 1971, é
passeio obrigatório a quem admira a sonoridade do soul e R&B
norte-americano.
Com ele o artista conseguiu alterar sua trajetória musical, saindo
das canções de cunho meramente triviais sobre o cotidiano e adentrando no
terreno arenoso e profundo das lutas sociais e políticas do seu país,
entremeado por referências espirituais e, como toda grande obra de arte, ainda
hoje seus conteúdos permanecem universais.
É como se o
disco fosse narrado por um combatente da Guerra do Vietnã que acaba de retornar
aos Estados Unidos, descobrindo então que os soldados americanos sacrificados
na Ásia foram somente joguetes nas mãos inescrupulosas dos senhores da guerra e de seus interesses capitalistas.
Aqui uma
releitura dos irlandeses do U2, que nunca esconderam a importância da
influência da música negra norte-americana em seu trabalho.
Realizando
uma espécie de arqueologia do rock português, uma maneira de tomar contato com
um pouco do passado cultural recente deste país que agora tento aos poucos
desbravar, mas na realidade os verdadeiros desbravadores são eles e disso já
sabemos a mais de 500 anos.
Formada no
início da década de 80, a banda suscitaria algumas polêmicas por seu visual
incomum para época, sendo inclusive acusada de fascistas.
Participarão
do grupo Paulo Pedro Gonçalves (guitarra), Carlos Maria Trindade (teclas), Tozé
Almeida (bateria), Pedro Ayres Magalhães (baixo) e Rui Pregal da Cunha (voz).
A sonoridade
dos Heróis do Mar encontram eco nas vertentes em voga naquele período no cenário
musical europeu e norte-americano: Pop rock; synth pop; new romantic; new wave, ecletismo que renderam 6 discos em sua carreira que foi findada em 1989.
Ainda hoje
são lembrados nas rádios portuguesas por sua influência e importância para a
cena do rock português. Em 1983 foram eleitos como a melhor banda de rock na
europa continental
Esquecida
pelo tempo (como quase tudo no Brasil), a canção "Juvenília" do grupo
RPM pode ser classificada na categoria de músicas subestimadas por seu tempo.
Felizmente, esse
mesmo tempo é um antídoto capaz de redimir certos equívocos (mas não todos), e nesse
caso ouvir Juvenília na era Temer/Patos Amarelos enquanto olhamos para a
situação surreal na qual o país mergulhou (talvez afundou seja o termo mais
adequado) – graças sobretudo, as mãos preconceituosas e a ignorância latente da
nossa classe média (não poderíamos alterar para classe abaixo da média?); torna
essa missão quase que naturalmente óbvia.
A grande
questão, no entanto é saber se a juventude brasileira atual é capaz ainda de
interpretar textos, compreender contextos históricos, apreciar poesias, ou
mesmo uma simples letra de música que na época dava voz a um sentimento de não
pertencimento, estranhamento, insatisfação dos jovens daquele país que tentava
sair da UTI após duas décadas e meia de ditadura militar, sim a mesma que
tantos agora clamam para retomar o comando de um Brasil chafurdado na lama da
hipocrisia, injustiça social e desenfreada corrupção. Aqui qualquer semelhança
não é mera coincidência!
Cada qual
possui a sua própria resposta e motivos para elencar essa sequência infindável
de fatos reais, que por vezes supõe e beiram a irrealidade.
Mas enfim, as
frases que mais me pegam nessa síntese melancólica sobre um país seus desmandos
e consequentes desdobramentos são:
“Sinto um
imenso vazio e o Brasil/que herda o costume servil/não serviu pra mim”, ou
ainda, “Parte o primeiro avião/e eu não vou voltar/e quem vem pra ficar/pra
cuidar de ti/terra linda/sofre ainda a vinda de piratas/mercenários sem direção/e
eu até sei quem são, sim eu sei/e você sempre faz confusão, diz que não/e vem,
vem chorando/vem pedir desculpas/vem sangrando/dividir a culpa entre nós”.
Quem dera
Juvenília fosse apenas e tão-somente uma canção ingênua, uma modinha de uma
época já passada, um hit radiofônico que tivesse dado bastante dinheiro aos seus
músicos e produtores e pronto.
Não é esse o
caso, primeiro porque é uma bela canção, que passou sim, despercebida durante o
furacão RPM nos anos 80, época que tantos ainda insistem em denominar de
geração perdida (o que falar então dos dias atuais), e segundo por sua força
motriz residir exatamente no contexto histórico-político-literário de sua
letra.
E assim
seguimos cantarolando aqui e ali com o RPM, enquanto uma maioria esmagadora
prefere desafinar gritando a sofrência dos neos sertanejos, emergentes sociais
que tão bem representam uma elite que continua a ignorar a literatura, a arte,
a filosofia, a história, até porque para eles o que importa no final das contas
é mesmo o o trivial biombo status/dinheiro.
Nos últimos meses venho sentindo cada vez mais a sensação incômoda de ter me tornado um forasteiro em meu próprio país.
Após décadas de luta pela democracia, por uma distribuição de renda mais justa, por maior igualdade social, ficou evidente o retrocesso que o país sofreu nos últimos três anos, logo após o primeiro de diversos golpes impetrado por representantes da elite vil que domina está terra a mais de quinhentos anos.
O Brasil não é para amadores já dizia o intelectual!
Desemprego, queda da renda, desilusão com tudo e quase todos, apenas aumentaram a minha nítida sensação de solidão, de estar alijado da sociedade, de estranhamento de tudo que acontece ao redor, e isso evidentemente causa logo uma depressão em todos e quaisquer sentidos.
Enfim, esmureci, assim como muito dos meus amigos de geração! O desencanto é latente, pois o país mergulhou em uma escuridão de conservadorismo, de pilhagem jamais vista antes em nossa história.
Neste período ouvi dezenas de nãos, milhares de talvez, zilhões de bem feito, de pessoas das mais variadas áreas, inclusive, algumas que certamente habitam o inferno e ainda não foram comunicadas de sua condição quase mórbida em plena vida! Azar delas, quero apenas distância desse tipo de gente mal amada, preconceituosa, defeituosa da alma e ruim, muito ruim da cabeça.
Mas enfim é o que tenho para hoje, e parafraseando a minha querida Marina Lima em recente entrevista, me sinto um forasteiro em meu próprio país! É triste, mas é real, e dói!
E quando isso acontece você tem duas opções: ficar no país e começar tudo de novo, buscando, teimando em construir alguma ponte para alguma nova e tênue esperança.
Ou então simplesmente partir para longe, também para recomeçar do nada, levando consigo uma pontinha de ânimo de pelo menos sentir-se resignado em poder dar ao seu filho a oportunidade de crescer em um lugar onde haja o mínimo de algo que no Brasil virou mera e pálida ilusão:
Fraternidade, igualdade e liberdade.
Exatamente os pilares que inauguraram a modernidade no ocidente, e tudo o que o Brasil perdeu nos últimos meses e não sei enquanto um pequeno conhecedor da história se algum dia voltaremos a ter nessa terra, que trata muito mesquinhamente seus filhos que não nasceram ricos.
E ser rico é o sonho da maioria da classe média tupiniquim, custe o que custar! Isso é de uma pobreza intelectual e social sem precedentes, e empurra para o charco qualquer ideia diferente e que coloque de alguma maneira em risco essa mentalidade que bem representa a elite do atraso, que rasgou a constituição, com a ajuda de políticos e empresários corruptos, além da nova casta judiciária do país para satisfazer sua sanha perversa de explorar e escravizar a maioria dos seus cidadãos, mantendo assim os seus interesses acima de qualquer outro direito.
A miséria é o lugar do povo! Assim pensam esses canalhas!
Atravessar o oceano, atravessar as incertezas, sobretudo atravessar a desconfiança da maioria, mas se há algo que me move adiante é perceber que apesar de tudo ainda existe poesia, cá dentro do meu peito, da minha alma!
Que Deus me ilumine neste novo caminho, que tire daqui de dentro qualquer ódio, magoa ou tristeza desmedida, para que enquanto um imigrante, um forasteiro em terra estranha eu consiga amar a vida e superar os obstáculos, lutando sim mas sem perder a ternura jamais.
Uma senhora solicita um Uber
no final da tarde, deseja apenas chegar em casa após mais um dia de trabalho,
quase escravo, pois o trabalho justo no país é bem próximo da escravidão.
Entre subidas e descidas o
motorista do aplicativo procura realizar o melhor caminho, com o maior cuidado
possível até o final do trajeto. Quando
o carro adentra na comunidade de destino o motorista ouve da senhora a seguinte
frase:
- Eu chego de Uber em casa e
todo mundo fica observando, como se isso fosse a coisa mais estranha do mundo!
No Brasil desde sua
fundação, as pessoas simples sempre foram tratadas como pessoas de quinta
categoria. Com o passar dos tempos essa desvalorização humanitária apenas
cresceu.
Não me espanta a reação das pessoas
ao verem aquela senhora chegando em casa de carro de aplicativo, pois essas
pessoas sempre foram desvalorizadas, esculachadas, sobretudo pelos políticos e pela classe média e rica do país.
O que me espanta é o ódio
que boa parte da classe média brasileira possui em relação as classes menos favorecidas, (aquela que a classe média adora espezinhar) e
mais ainda o desejo dos medianos de enriquecerem a qualquer custo no país. No Brasil os mais ricos são lambidos, adorados, idolatrados e jamais são avacalhados, com se eles nada tivessem com a crise,
com a corrupção, com a péssima distribuição de renda do país, com o cinismo do tal mercado financeiro.
É curioso, e mais que isso é
perverso alguém acreditar que um país possa ser bem sucedido sem investimento real em educação, e
pensar que ser rico é a melhor coisa que um cidadão pode conquistar na vida, custe
o que custar, diga-se.
O Brasil é mesmo uma
perfeição! Pródigo em suas mazelas.