quinta-feira, 13 de agosto de 2015

Divisor de Águas


Michael Jackson

Off the Wall (1979)

(Edição 96 Revista Bizz, Julho de 1993) 
O ano de 79 dividiu muitas águas. Ao mesmo tempo em que o punk pedia para alguém desligar os aparelhos na UTI, a disco music mostrava níveis nunca antes alcançados de manipulação de estúdio e aproveitamento máximo de tecnologia (tanto para o bem como para o mal). Era a vez dos anos 80: céticos, profissionais, estilosos e obcecados com a imagem. Como seria o pop dessa década? Superproduzido, sem vergonha de ser "um produto" e polivalente: não bastava ter música, tinha que ter bom clip, uma roupa legal, dançar bem, fazer um show mega etc. 
Quer, dizer o fim da atitude artística e da música em favor da grana e da imagem? Nem tanto. É aí que residia a autenticidade desse novo pop, que acabou levando esses conceitos à categoria de arte. 
Se isso acabou sendo bom o ruim é história para contar outro dia, mas isso era um reflexo natural do estágio de então na música pop: uma tentacular industria triliardária amparada por ultratecnologia, tanto no estúdio como na promoção de artistas, como provaram os símbolos da década de 80: Duran Duran, George Micheal, Janet Jackson, Whitney Houston, Madonna e - claro - Michael Jackson. 
Foi ele, em "Off The Wall", que lançou o marco zero deste novo conceito. Aperfeçoou tudo em 83, com "Thriller" (só lembrando, o disco mais vendido da história), mas a somente já estava em "Off The Wall", em que se apresentava como um artista que compunha, cantava, dançava, atuava em clips superproduzidos e lançava álbuns ultra-bem feitos e cheios de hits. 
Michael já vinha ensaiando seus passos solo desde 72 com hits como "Ben" e "Got To be There", mas sem assumir isso full time. Com a consolidação do sucesso do grupo The Jackson 5, Michael ia amadurecendo e as coisas começavam a mudar de figura. Em 76, a Epic comprou o passe dos Jacksons da Motown. Fizeram dois contratos: um para o grupo, que virou The Jacksons e outro para o jovem Michael. Era consenso de que os irmãos reunidos eram bons, mas que ia render mesmo a longo prazo seria aquele moleque prodígio. A Epic tratou de cuidar para que seu estouro solo fosse certeiro. 
Para a produção foi chamado o maestro Quincy Jones, multinstrumentista, arranjador e gênio de estúdio, com um currículo de bandleader, jazzista, compositor de trilhas e produtor de soul. 
Os músicos do disco foram pinçados entre a nata das chamadas "feras de estúdios" da época (como o baixista Louis Johnson e o tecladista Greg Phillinganes). Paul McCartney e Stivie Wonder contribuíram com duas baladas. "Girlfriend" e I "Can't Help It", respectivamente. Jones ainda recrutou um colaborador que se mostrou essencial para o resultado final: o inglês Rod Temperton. Líder da banda de disco Heatwave (que fez "The Groove Line"), Temperton tinha o dom de unir ritmos infalíveis, sempre com um efeito sonoro grudento. Acabou escrevendo "Rock With You", "Burn This Disco Out" e a faixa-título. Para ajudar na imagem "já-é-um-homenzinho" do disco, Michael co-produziu três faixas: "Don't Stop Til You Get Enough", "Working Day And Nigth" e "Get On The Floor". 
"Off The Wall" saiu uma coleção sem falhas, fluente, de pop disco e baladas soul pop. "Rock With You" entrou na minha lista de melhores singles de todos os tempos pela virada de bateria que abria a faixa, pelo clima dos violinos e pelo fato de que quando você achava que sabia como era a melodia, ela tomava um rumo novo, mais cool, até cair num solo de teclados simulando sopro. "Working Day And Night" abria com uma percussão rapidinha e um loop de alguém ofegando que não devia nada a equivalentes atuais feitos com samplers. "Girlfriend" mostrava que Michael sabia jogar com economia uma voz doce numa balada, sem melar o resultado. O disco estabeleceu a figura solo de Michael Jackson, rendeu hits mundiais e vendeu mais de dez milhões ao redor do mundo. E fez jus ao clichê número um dessa seção: "Depois dele, o pop nunca mais foi o mesmo". 

Camilo Rocha

Vitrola: Michael Jackson - Rock With You





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