O Aerosmith
é o meu lado mais próximo do rock testosterona, já gostei bastante da banda e, penso
que ainda merecem o meu respeito por sua história e ótimas composições.
Lembro-me de
um carnaval há décadas atrás quando muitas coisas aconteceram de bom e também
de errado, mas ‘o importante é que emoções eu vivi’, o resto é história...
Lady and gentlemen, let's welcome
the Greatest Rock 'n' Roll Band in the World!
Aerosmith…
Rocks (1976)
(Edição Revista
Bizz 103,Fevereiro de 1994)
O ano de 76
foi um divisor de águas no calendário do rock. Os primeiros acordes do punk
marcaram a ruptura com o passado de um gênero que evoluiu além de suas medidas.
Mas nem todos os grupos que surgiram no início da década ou antes, haviam
virado dinossauros ou então trocado a rebeldia por aquelas soníferas
progressões sinfônicas.
Herdeiro
direto do passado do Led Zeppelin e dos Rolling Stones, o Aerosmith estava
disposto a manter viva a tradição, com sua orgia de rock/adrenalina unindo seus
amplificadores envenenados a distorções nos últimos limites.
O grupo
surgiu em 70, como o trio Chain Reaction, em New Hampshire, EUA. Era composto
por Steven Tyler (que na época era o baterista), Joe Perry (guitarra) e Tom
Hamilton (baixo). ComTyler assumindo os vocais e a adição de Brad Whitford
(segunda quitarra) e de Joey Kramer (bateria), eles encontraram a formação
definitiva, que foi modelar seu som numa base que unia rock, blues, country,
rhythm'n'blues e funk.
A
discografia deles começou um tanto tímida com um par de álbuns:
"Aerosmith" (72) e "Get Your Wings" (74), ficando
promissora com "Toys In The Attic" (75). Mas foi em 76 que eles
gravaram o álbum fundamental para seu vôo rumo ao estrelato. Unindo violência
com sedução em doses arrebatodoras, Rocks produziu um efeito devastador na
época de seu lançamento. Um disco pesado, mas bem balançado. O Aerosmith somava
ótimas passagens melódicas e um punch vindo da música funk à selvageria
explícita dos riffs.
A faixa de
abertura, "Back In The Saddle" (com sua introdução ritualística,
culminada pelos relinchos das guitarras), assim com "Sich As A Dog"
tornaram-se clássicos.
Impossível
apontar uma só música em todo o álbum que não atraísse o ouvinte a uma
emboscada sem fuga de rock'n'roll. A voz esganiçada de Steven Tyler sugeria o
grito de ordem de um sumo-sacerdote, comandando uma espécie de festival de
imolações, angústias e tensões fulminantes.
A entrada
macia de " Last Child" ameaçava uma balada, mas o baixo demolidor de
Tom Hamilton confiscava a melodia inicial para os domínios do funk rock.
Guitarras aceleradas davam a partida para o ritmo de "Rats In The
Cella". A festa seguia quando "Combination" irrompia em uma
levada sensual, com vocais à beira do gozo. "Nobody's Fault" entrava
com a fúria de um touro no meio da arena e - no climax - a voz de Tyler cuspia
uma seqŸencia de versos encadeados.
As tensões
aquietavam-se no boogie de "Get The Lead Out", mas era retomada na
floresta elétrica de "Lick And A Promise". Para encerrar, "Home
Tonight" era uma última e desesperada tentativa de balada - desta vez bem
sucedida. O que era uma descarga incessante de energia acabava em uma
dilacerante canção de amor.
Um disco que
celebrava o tempo todo o espírito de rebeldia e diversão juvenis numa voltagem
tão intensa não poderia ter outro nome. Com "Rocks", o Aerosmith
conquistou a fama de grande banda e conseguiu a forma definitiva para um som
que iria seduzir multidões nos anos seguintes.
Sonzeira…Solos
de guitarra inspirados, boas lembranças!
Television
Marquee Moon
(1977)
(Edição
Revista Bizz de 22,Maio de 1987)
Malcolm
McLaren sabia que os "pais da matéria" estavam nos EUA. Foi lá que
ele buscou inspiração para que o movimento punk acontecesse - de forma
concentrada - na Inglaterra. O que seria do punk sem o despojamento dos N.Y.
Dolls, a demência dos Stooges, o antilirismo do Velvet e a agressividade do MC
5? E não foram só estas - todas elas, bandas extintas anos antes do punk - as fundamentais.
Nova York fervilhava de bandas que acabariam traçando os moldes do que viria
depois do punk. Eram as bandas new wave de Nova York e, dessas, a mais
importante, ao lado dos Talking Heads e dos Voidoids de Richard Hell, foi o
Television.
A história
deles começa com o grupo Neon Boys, fundado por Tom Verlaine (guitarra/vocais)
e Richard Hell (baixo/vocais) em 71. Richard Lloyd (guitarra) e Billy Ficca
(bateria) completavam o grupo, que alguns anos depois mudaria de nome para
Television. Hell saiu por volta de 74, e Fred Smith, ex-baixista da Blondie,
foi chamado para substitui-lo. Em 74, o TV gravou um single e em 77 eles
assinaram com a Elektra para gravar o "Marquee Moon", o primeiro LP.
Em meio à
avalanche punk em que a maioria das bandas fazia um som rápido e primário
(Ramones, Dead Boys) ou flertava com o pop (Blondie, Marbles), o Television
optava por uma linha musical mais elaborada, com melodias harmoniosas,
convivendo com ruídos e músicas longas que, ao vivo, se transformavam em verdadeiras
jam sessions.
O som do TV
remete a uma gama de referências musicais, que vão de Byrds a Neil Young, de
Doors a Velvet Underground. Não que o TV soasse como uma das bandas citadas.
Ela parecia querer ser todas elas ao mesmo tempo e um pouco mais.
A música de
"Marquee Moon" é leve em seus ingredientes e pesada em sua atitude.
Os instrumentistas não usam efeitos ou pedais. É rock'n'roll puro, de uma
fluidez impressionante. Verlaine e Lloyd formam uma das duplas de guitarristas
de rock que mais deram certo. Ambos solam, se alternam em riffs, bases e
harmonias. Ambas as guitarras - principalmente a de Verlaine - alcançam
sonoridades que às vezes parecem com guinchos, grunhidos e gritos. Ficca e
Smith formam uma cozinha "à francesa" leve, com toques jazzísticos,
sem abusos.
As letras -
todas de Verlaine - sugerem mais do que dizem, como na faixa de abertura
"See No Evil" ("Eu entendo tudo/ a destruição urge/ela parece
tão perfeita/eu vejo/eu não vejo nenhum mal"). As texturas sonoras são
molduras perfeitas para as letras, como na faixa seguinte, a balada
"Venus", em que Verlaine cai "direto nos braços da Vênus de
Milo". Em "Friction" o destaque vai para o solo esquizofrênico
de Verlaine, assim como na comprida "Marquee Moon" (que, aliás, tem
um belíssimo falso gran finale).
O lado B
começa com uma jóia, "Elevation" ("A última palavra/é a palavra
perdida/por que você não o diz então?"), onde o junkie Lloyd faz um solo
emocionante. "Guiding Light" (única co-parceria de Verlaine no disco
- com Lloyd) é mais uma balada que demonstra a sensibilidade harmônica de
Verlaine. Em "Prove It", a combinação de base sonora simples com o
caleidoscópio de images evocadas por Verlaine é mais uma vez perfeita. Em
"Tom Curtain", a última música do disco, outra magnífica combinação:
a voz chorosa de Verlaine relembra os anos passados, enquanto sua guitarra
estridente rola suas lágrimas mais amargas.
Nem o
Television (que acabou em 79) nem seus integrantes em carreira solo conseguiram
fazer um disco à altura de "Marquee Moon" (que na edição nacional
saiu com um ridículo carimbo de "punk rock" na capa). É este o disco
que prova que eles eram, instrumentalmente, uma das bandas mais integradas da
década de 70, e não há músico ou não-músico - de qualquer gênero - que, ao
ouvir o disco, não se convença disto.
Filho da saudosa
atriz Renata Fronzi e do radialista César Ladeira, o músico Renato Ladeiranos
deixou ontem, após 63 anos de vida. Tecladista fez parte do grupo de rock Herva
Doce na década de 80. Entre suas composições destaca-se a bela bossa “Faz Parte
do meu Show” parceria com o amigo Cazuza.
Invento
desculpas, provoco uma briga, digo que não estou
O ano de 79 dividiu muitas águas. Ao mesmo tempo em
que o punk pedia para alguém desligar os aparelhos na UTI, a disco music
mostrava níveis nunca antes alcançados de manipulação de estúdio e
aproveitamento máximo de tecnologia (tanto para o bem como para o mal). Era a
vez dos anos 80: céticos, profissionais, estilosos e obcecados com a imagem.
Como seria o pop dessa década? Superproduzido, sem vergonha de ser "um
produto" e polivalente: não bastava ter música, tinha que ter bom clip,
uma roupa legal, dançar bem, fazer um show mega etc.
Quer, dizer o fim da atitude artística e da música
em favor da grana e da imagem? Nem tanto. É aí que residia a autenticidade
desse novo pop, que acabou levando esses conceitos à categoria de arte.
Se isso acabou sendo bom o ruim é história para
contar outro dia, mas isso era um reflexo natural do estágio de então na música
pop: uma tentacular industria triliardária amparada por ultratecnologia, tanto
no estúdio como na promoção de artistas, como provaram os símbolos da década de
80: Duran Duran, George Micheal, Janet Jackson, Whitney Houston, Madonna e -
claro - Michael Jackson.
Foi ele, em "Off The Wall", que lançou o
marco zero deste novo conceito. Aperfeçoou tudo em 83, com "Thriller"
(só lembrando, o disco mais vendido da história), mas a somente já estava em
"Off The Wall", em que se apresentava como um artista que compunha,
cantava, dançava, atuava em clips superproduzidos e lançava álbuns ultra-bem
feitos e cheios de hits.
Michael já vinha ensaiando seus passos solo desde 72
com hits como "Ben" e "Got To be There", mas sem assumir
isso full time. Com a consolidação do sucesso do grupo The Jackson 5, Michael
ia amadurecendo e as coisas começavam a mudar de figura. Em 76, a Epic comprou
o passe dos Jacksons da Motown. Fizeram dois contratos: um para o grupo, que
virou The Jacksons e outro para o jovem Michael. Era consenso de que os irmãos
reunidos eram bons, mas que ia render mesmo a longo prazo seria aquele moleque
prodígio. A Epic tratou de cuidar para que seu estouro solo fosse certeiro.
Para a produção foi chamado o maestro Quincy Jones,
multinstrumentista, arranjador e gênio de estúdio, com um currículo de
bandleader, jazzista, compositor de trilhas e produtor de soul.
Os músicos do disco foram pinçados entre a nata das
chamadas "feras de estúdios" da época (como o baixista Louis Johnson
e o tecladista Greg Phillinganes). Paul McCartney e Stivie Wonder contribuíram
com duas baladas. "Girlfriend" e I "Can't Help It",
respectivamente. Jones ainda recrutou um colaborador que se mostrou essencial
para o resultado final: o inglês Rod Temperton. Líder da banda de disco
Heatwave (que fez "The Groove Line"), Temperton tinha o dom de unir
ritmos infalíveis, sempre com um efeito sonoro grudento. Acabou escrevendo "Rock
With You", "Burn This Disco Out" e a faixa-título. Para ajudar
na imagem "já-é-um-homenzinho" do disco, Michael co-produziu três
faixas: "Don't Stop Til You Get Enough", "Working Day And
Nigth" e "Get On The Floor".
"Off The Wall" saiu uma coleção sem
falhas, fluente, de pop disco e baladas soul pop. "Rock With You"
entrou na minha lista de melhores singles de todos os tempos pela virada de
bateria que abria a faixa, pelo clima dos violinos e pelo fato de que quando
você achava que sabia como era a melodia, ela tomava um rumo novo, mais cool,
até cair num solo de teclados simulando sopro. "Working Day And
Night" abria com uma percussão rapidinha e um loop de alguém ofegando que
não devia nada a equivalentes atuais feitos com samplers. "Girlfriend"
mostrava que Michael sabia jogar com economia uma voz doce numa balada, sem
melar o resultado. O disco estabeleceu a figura solo de Michael Jackson, rendeu
hits mundiais e vendeu mais de dez milhões ao redor do mundo. E fez jus ao
clichê número um dessa seção: "Depois dele, o pop nunca mais foi o
mesmo".
Arte! Um
encontro fantástico do rock com a arte e suas vertentes. O Queen em 1975
alcançou o topo, ultrapassou todas as expectativas e cravou um dos álbuns mais
lembrados do rock ainda hoje, 40 anos após o seu lançamento.
Me recordo
com nitidez do impacto deste disco na minha humilde visão sobre a música, foi
algo realmente mágico!
Queen – A
Night at the Opera (1975)
(Edição Revista
Bizz 84,Julho de 1992)
Rock como
objeto de culto. Disco como conceito, grande arte. Foram desvios inesperados -
e, pensando bem, um pouco ridículos - para um tipo de música desencanada que
começou animando bailinhos teen.
Mas os anos
70 foram mesmo inesperados, e todo mundo que cresceu nessa época é meio
esquisito. Não vejo a hora de elegermos nosso primeiro presidente da República...
alguém que saiba quem é o Space Ghost e tenha sonhado com uma calça Topeka.
De qualquer
forma: se essa pretensão roqueira toda se justificou alguma vez, foi na
primeira metade dos 70. Dark Side Of The Moon, Physical Graffiti, Ziggy
Stardust - naquela época gigantes caminhavam sobre a Terra, ou assim parecia.
Dentre esses
inesquecíveis pedaços de plástico, nenhum alcançou a sobrevida de A Night At
The Opera. Porque o Queen nunca parou de produzir, porque mudou de estilo,
porque eles eram imensos no palco, porque Freddie Mercury foi o primeiro
superastro a morrer de Aids, porque...
Principalmente,
acho, pela variedade. Opera tem um pouco de tudo para todos. Metal cromado ("I'm In Love With My
Car"), vingativo ("Death On Two Legs") e burro ("Sweet Lady",
a coisa mais Kiss que o Kiss não fez). Brilhantes baladas: a alegrinha
"You're My Best Friend", a quase country-épica "39" e, mama
mia, "Love Of My Life". Cabaré variado: "Seaside
Rendezvous", "Good Company", "Lazing On A Sunday
Afternoon". Um épico progressivo "viajante", "The
Prophet's Song". E coisas indefiníveis e emocionantes, como a peça central
do disco, "Bohemian Rhapsody".
Art rock era
isso: tudo exagerado, ambicioso, superproduzido, bem escrito e incrivelmente
bem tocado (no synthethizers!). Os quatro tocavam, cantavam, compunham.
"You're My Best Friend" é de (e com) John Deacon, o baixista.
"39" e "Good Company", a mesma coisa com o guitarrista
Brian May, "I'm In Love With My Car", idem com o baterista Roger
Taylor. Sem falar em Freddie. Que banda em atividade hoje tem tanta gente
talentosa?
No Brasil, o
"disco branco" do Queen marcou demais (o "preto", seguinte,
é A Day At The Races; ambos os títulos tirados de filmes dos irmãos Marx).
Junto com News Of The World, formavam a dupla tiro-e-queda de qualquer
discoteca que se prezasse - porque Queen, naquela época e lugar, era sinônimo
de rock; quem não gostava do Queen, boa gente não era.
E tinha boa
gente pra caramba neste país - o suficiente para lotar o Morumbi, no primeiro
megashow de rock a que o Brasil já assistiu. Não existiam telões, a trilha de
Flash Gordon tinha acabado de sair, as garotas não usavam sutiã, os meninos
usavam tênis All-Star e todo mundo sabia o repertório inteiro do show de cor.
Na
pós-graduação em jornalismo cultural - ensaiei um monografia sobre a Revista Bizz, que de certa forma
possuiu sua importância na história da música popular no Brasil. No final de
cada edição existia a seção “Discoteca Básica” sempre trazendo um texto sobre
algum disco clássico do rock, pop, jazz, samba, ou MPB.
Bateu
saudade e aqui presto a minha homenagem a essa Revista - reproduzindo o texto sobre o disco maravilhoso de Marvin Gaye (What's
Going On), de autoria do jornalista José Augusto Lemos -vale a pena a leitura!
Discoteca
Básica – Revista Bizz – (Edição 39,Outubro de 1988)
Marvin Gaye
What's Going On (1971)
Quando, em
85, o staff do NME elegeu este "O Melhor LP de Todos os Tempos",
houve alguma surpresa e nenhuma contestação. Afinal, a primeira coisa que se
pode dizer sobre o disco é que nunca houve tamanha síntese - gospel,
rhythm'n'blues, jazz e doo-wop na mútua fertilização de uma soul music 24
quilates e 1.001 filigranas.
Marvin Gaye
atravessara a década de 60 como um curinga no celeiro/linha-de-montagem da
Motown - além de gravar como cantor, participava aqui e ali como compositor,
arranjador, produtor e instrumentista (além de piano, toca bateria em vários
dos hits das Supremes). Todos os contratados da gravadora tinham, porém, de se
encaixar no rígido molde pop ditado e concebido por Berry Gordy Jr. Do
repertório ao vestuário, passando por aulas de dicção e "boas
maneiras", todas as "arestas" de negritude eram aparadas em nome
de um romantismo platônico e doce (mas nunca meloso). O transe carnal dos blues
e espiritual do gospel ainda estava lá, mas em baixíssimos teores.
Com essa
fórmula, Gordy - tendo iniciado seu selo independente a partir de sua loja de
discos - tomou conta das eletrolas e radinhos de pilha do universo. Pop
clássico, eterno - mas uma camisa-de-força para talentos como Marvin Gaye e
Stevie Wonder, cujo potencial só seria revelado no começo dos anos 70, quando
conquistaram sua autonomia dentro da gravadora.
What's Going
On foi a primeira batalha ganha nessa guerra e custou todo o cacife do cantor.
O lançamento atrasou alguns meses porque a Motown não queria editá-lo de jeito
nenhum, alegando que as músicas (a) eram longas demais; (b) não tinham começo,
nem meio, nem fim; (c) não falavam de "amor" , e sim de religião,
política, drogas, ecologia. Marvin ameaçou não gravar mais uma nota sequer pela
gravadora, e fez pé firme. Ganhou estourando a banca. Três das faixas - a
título, mais "Mercy, Mercy Me" e "Inner City Blues" -
viraram hits singles e, até hoje, as vendas do LP somam oito milhões de cópias
só nos EUA.
Venceu,
assim, a visão de um gênio que confessou ter passado a segunda metade dos 60
atormentado com a "irrelevância" do que estava gravando, diante da
revolução de consciência que ocorria no mundo e do surgimento do selo Stax,
afiando todas as arestas que a Motown limara. Dirigindo-se, desde os primeiros
sulcos, aos "brothers" e "sisters", Marvin compõe um
manifesto panorâmico da vida no gueto - pobreza, violência e drogas - antes de
atacar as "questões universais" que tinham arrepiado a diretoria da
Motown.
Musicalmente,
não existe nada mais doce. As faixas se interligam numa só levada, lânguida e
hipnoticamente esticada numa espécie de suíte. Tudo flui numa textura de cordas
e metais que Paddy McAloon, do Prefab Sprout, definiu como "Mozart de
patins". Marvin não escrevia, mas contornou o problema gravando fitas e
fitas assobiando as frases dos violinos, transcritas então pelo regente/orquestrador
David van DePitte. Produzido pelo próprio cantor, o disco exibe uma maestria
instrumental certamente assimilada no trabalho com Norman Whitfield, que um dia
ainda será reconhecido como um dos maiores gênios da música do século XX. Sua
entrada na Motown como compositor/arranjador/produtor redefiniu o pop como a
marca registrada da gravadora, principalmente com os Temptations. Com Marvin,
desenvolveu o monumento "I Heard It Through the Grapevine", o que já
bastaria como credencial. Em What's Going On, porém, Marvin mostra que já não
precisava dele, nem de ninguém. Os vários canais de gravação são utilizados num
show vocal, algo como um grupo doo-wop de um homem só, em contracantos e
harmonias que talvez só Sam Cooke poderia igualar, houvesse em sua época tecnologia
para isso.
A Cia. Das Letras
acaba de lançar um diário escrito por Renato Russo - “Só Por Hoje e Para Sempre - Diário do
Recomeço”. O livro é composto por escritos de Renato durante sua internação na
Clinica Vila Serena no Rio de janeiro em 1993 e, esses textos são parte integrante do tratamento.
Ali a gente
entende que o ser humano de fato cria as suas mascaras para sobreviver, mas lá
no fundo é possível encontrar a alma, mesmo que doente revelando outros
quadros, ainda intactos.
Renato Russo
estava enfim na busca de sua sanidade, lutando pra valer contra o que lhe
afligia e o perturbava. A coincidência é que eu mesmo adoraria neste instante
encontrar uma espécie de “Vila Serena” para dar um tempo em tudo e cuidar da
minha própria alma, mas que não nasce rico não pode ser dar a esse luxo, então
a “Vila Serena” pode ser um vagão do metro combalido da histérica São Paulo, os
famoso trilhos da esperança...
A depressão
não poupa ninguém, menos ainda quem já possuí um histórico anterior.
O que muda
são as percepções com o tempo e, desta vez resolvi não pagar pra ver, fui logo
atrás de ajuda, reconhecendo a minha incapacidade de lutar contra esse monstro
sozinho, o que já é um alento.
Olhando as
letras que Renato compôs logo após seus 29 dias de tratamento, é possível
atestar o quanto essa busca lhe fez bem, embora na época uma boa parte da
critica tenha torcido o nariz para o conteúdo, mas e daí, cada um sabe onde
aperta o calo.
Renato nos anos
seguintes a sua internação produziu certamente dois discos emblemáticos e que
provam o quanto essa redescoberta lhe proporcionou benefícios:
O belíssimo “The
Stonewall Celebration Concert” (1994) é o primeiro disco solo de Renato Russo,
gravado entre fevereiro e março de 1994. Interpretado totalmente em inglês, foi
uma homenagem aos vinte cinco anos da Rebelião de Stonewall em Nova Iorque.
Seus royalties foram doados para a campanha do sociólogo Betinho na campanha
contra a fome daquele ano.
Em 1995 ele
lança “Equilibrio Distante" segundo álbum
solo cantado em italiano, uma homenagem a sua família, quase um pedido de
desculpa pelos anos de terror que suas atitudes causavam ao seio de sua família
nuclear.
Sem dúvida
que essa leitura trará alguns contrapontos e outros olhares, exatamente em um
momento delicado, porém a vida seguirá em frente de um jeito, ou, de outro.