domingo, 5 de fevereiro de 2017

Refrigério


Havia alguma palavra perdida em sua mente durante a noite escaldante de verão. Doravante suas noites insones regadas a poesia, séries de tevê e música, já não mais resolviam sua procura quase insana por vestígios de um passado, não remoto e tão pouco recente.

Tudo caminhava assim, até que então em uma tarde quase perdida, ele a reconheceu por acaso quando a viu andando sozinha pela rua do comércio, próximo ao cinema da cidade. Sim era ela, avistada ao longe com seus cabelos loiros, sua pele semi bronzeada, seu olhar ainda de criança, sua boca carnuda realçada por um batom vermelho, o mesmo andar de outrora, aquele sabor de um charme estonteante.

Após quase uma década sem notícias, e nenhuma aparição, ele tremeu ao vê-la, quase tropeçou, não teve forças nem para acreditar no que os olhos produziam, quiça para mover-se. A palavra esquecida praticamente despencou em sua língua, vindo enfim à tona: Refrigério.

Retornou para seu pequeno apartamento, apenas pensava que tudo aquilo era ilusão, mais uma brincadeira sem graça do destino.

De quando em quando uma súbita dor irrompia em seus compartimentos mais secretos e reclusos, em outras ocasiões o álcool e as amantes casuais preenchiam suas rotas solitárias e vazias. Enfim, olhando para o quadro descrito não restava dúvida, isso tudo era o que sobrara após anos de autoengano, fuga, e de complacência.

A derradeira certeza naquele instante: Após a tempestade não haveria bonança e, muito menos refrigério algum.

Começou e terminou a madrugada ouvindo “You Don't Know What Love Is”, e não teria mesmo outra companhia – além do copo de gim e, da música de Chet Baker – até enfim cair em sono profundo.


Chet Baker – “You Don't Know What Love Is”

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