sábado, 11 de junho de 2016

Sobrevivente









Os navios estão a salvo nos portos, mas não foi para ficar ancorados que eles foram criados...

Todo dia é um novo dia, é mais um na coleção daquilo que convencionamos chamar de vida,
caminho, estrada. Olhando as duas capas de Face Value do artista Phil Collins, a primeira de 1981 – seu primeiro disco solo, e a segunda de 2015, que marca seu retorno a tal estrada depois de alguns anos recluso, solitário, vivendo depressivo inclusive, remasterizando seu próprio trabalho, não pude me esquivar: quantas vezes em nossas vidas não desejamos refazer algo, remasterizar nossos pensamentos, sentimentos, atitudes, etc. É perfeitamente compreensível, pois revisitar o passado retornar a aquilo que foi “sucesso” e também ao nossos “fracassos” faz parte de um processo natural da vida e,  de um jeito, ou de outro isso poderá nos trazer uma sensação  de vivacidade.

As fotografias de Phil me fizeram lembrar de algumas coisinhas, umas fúteis de menor importância e outras mais densas e dignas de reflexão neste 11 de junho. Sempre gostei muito dessa capa, pois ela humaniza o artista, expõe sua face, sua feição, suas alegrias, seus sofrimentos, suas frustrações. Mas não imaginaria que Collins refaria a capa um dia, o que apenas me fez admira-lo por sua coragem em dobro.

Quando lançou Face Value em 1981, o cantor, compositor, baterista e pianista tinha exatos 30 anos de idade, ao relançar o disco em 2015 Collins estava com seus 64. Certa vez uma querida amiga me disse que nossas marcas de expressão são o que temos de mais significativo para expor em nosso rosto e, se pensarmos que hoje em dia muita gente prefere esconder suas linhas, ejetando química, ouro ou outras drogas para disfarçar a idade, vamos logo pensar que o ser humano é mesmo um fingidor, muitas vezes teimando em esconder o melhor que tem a oferecer. Fato é que mesmo remasterizando aquela música, não a tocaremos como outrora, simplesmente porque não somos mais os mesmos, o tempo passa e as experiências nos ensinam alguns atalhos, alguns truques, isso chama-se reinvenção. Reinventar a si próprio dia após dia, anos a fio, é certamente difícil, então muita gente tenta se esconder atrás de uma aparência mais jovem, mas a juventude que é bela sem dúvida alguma também é uma fase de inconvenientes, angústias bestiais, exageros, ansiedade, dramas superficiais por vezes e certa complacência consigo mesmo, na juventude os outros sempre estão errados! 

Olhando os olhos do meu filho e depois para os meus próprios olhos – eu tendo a sentir que a vida – essa constante alternância de altos e baixos sempre valeu a pena, e pensar o futuro agora é bem diferente de outrora, provavelmente pela existência dessa pequena vida que abrigo sobre o meu próprio teto, me forçando a ser criança novamente, a brincar com tudo que faz referência a sua vida, a seu pequeno grande e ainda inexplorado mundo. Assisto o seu crescimento na primeira fila, ali no gargarejo porque ser pai é bem isso, sempre que acontece alguma apresentação na escolinha, lá está o Gustavo procurando instantaneamente pelo pai e pela mãe, pois ele precisa de segurança, de aceitação, desse amor incondicional.

Não sei se hoje eu sou melhor, ou pior do que antes, mas o que sinto é que não tenho mais tempo e nem disposição de gastar energia reclamando, achando que aquilo ou isso poderia ser diferente, sabe existem fatores mais essenciais e que não precisam de tratamento dramático, quanto mais simples melhor, embora viver não seja exatamente tão simples assim.

E de repente me lembro de uma canção do Beto Guedes intitulada Cruzada:

Não sei andar sozinho
Por essas ruas
Sei do perigo que nos rodeia
Pelos caminhos
Não há sinal de sol
Mas tudo me acalma no seu olhar
Não quero ter mais sangue
Morto nas veias
Quero o abrigo do teu abraço
Que me incendeia
Não há sinal de cais
Mas tudo me acalma no seu olhar

Você parece comigo
Nenhum senhor te acompanha
Você também se dá um beijo dá abrigo
Flor nas janelas da casa
Olho no seu inimigo
Você também se dá um beijo dá abrigo
Se dá um riso dá um tiro

Não quero ter mais sangue
Morto na veia
Quero o abrigo do teu abraço
Que me incendeia
Não há sinal de paz
E tudo me acalma no seu olhar

Você parece comigo
Nenhum senhor te acompanha
Você também se dá um beijo dá abrigo
Flor nas janelas da casa
Olho no seu inimigo
Você também se dá um beijo dá abrigo
Se dá um riso dá um tiro

E assim, 47 anos atrás alguém muito parecido comigo nascia na pequenina Loanda, e de lá pra cá foram tantas histórias por esses caminhos do meu deus, e se de alguma coisa eu sei neste mundo é apenas a desconfiança de desejar e dizer ao Guti: faça sua vida valer a pena diariamente, sonhe o quanto puder sonhar, nunca desista daquilo que julga ser importante, corra atrás enquanto for jovem e depois se permita reinventar-se um pouquinho a cada novo dia e, por fim, nunca tenha medo de se olhar com honestidade no espelho e nas suas fotografias, assim como bem fez o Phil Collins.

Eu continuo sendo um sobrevivente de mim mesmo...

O homem que a dor não educou será sempre uma criança...



Vitrola: Phil Collins If Leaving Me Is Easy (Live) 2015 e Beto Guedes – Cruzada

Nenhum comentário: