Quando Julie Elizabeth Andrews surgiu cantando The Sound Of Music
pelas belas montanhas de Salzburgo, na Áustria, ninguém imaginaria que 50
anos depois aquelas memoráveis cenas fossem recordadas pela própria
indústria cinematográfica.
Esse
longa lançado em 1965 continua encantando crianças e adultos, e suas adaptações para o
teatro continuam ganhando novas versões a cada nova temporada.
Aqui
a justa homenagem durante a cerimônia do Oscar de 2015, que curiosamente foi
apresentada pela musa deste blog.
Os navios estão a salvo nos portos, mas não foi para ficar ancorados que eles foram criados...
Todo dia é
um novo dia, é mais um na coleção daquilo que convencionamos chamar de vida,
caminho,
estrada. Olhando as duas capas de Face Value do artista Phil Collins, a
primeira de 1981 – seu primeiro disco solo, e a segunda de 2015, que marca seu
retorno a tal estrada depois de alguns anos recluso, solitário, vivendo
depressivo inclusive, remasterizando seu próprio trabalho, não pude me
esquivar: quantas vezes em nossas vidas não desejamos refazer algo, remasterizar
nossos pensamentos, sentimentos, atitudes, etc. É perfeitamente compreensível, pois revisitar
o passado retornar a aquilo que foi “sucesso” e também ao nossos “fracassos” faz
parte de um processo natural da vida e, de um jeito, ou
de outro isso poderá nos trazer uma sensação de vivacidade.
As
fotografias de Phil me fizeram lembrar de algumas coisinhas, umas fúteis de
menor importância e outras mais densas e dignas de reflexão neste 11 de junho.
Sempre gostei muito dessa capa, pois ela humaniza o artista, expõe sua face,
sua feição, suas alegrias, seus sofrimentos, suas frustrações. Mas não imaginaria que Collins refaria a capa um dia, o que apenas
me fez admira-lo por sua coragem em dobro.
Quando
lançou Face Value em 1981, o cantor, compositor, baterista e pianista tinha
exatos 30 anos de idade, ao relançar o disco em 2015 Collins estava com seus
64. Certa vez uma querida amiga me disse que nossas marcas de expressão são o
que temos de mais significativo para expor em nosso rosto e, se pensarmos que
hoje em dia muita gente prefere esconder suas linhas, ejetando química, ouro ou
outras drogas para disfarçar a idade, vamos logo pensar que o ser humano é
mesmo um fingidor, muitas vezes teimando em esconder o melhor que tem a oferecer.
Fato é que mesmo remasterizando aquela música, não a tocaremos como outrora, simplesmente
porque não somos mais os mesmos, o tempo passa e as experiências nos ensinam alguns
atalhos, alguns truques, isso chama-se reinvenção. Reinventar a si próprio dia
após dia, anos a fio, é certamente difícil, então muita gente tenta se esconder
atrás de uma aparência mais jovem, mas a juventude que é bela sem dúvida alguma
também é uma fase de inconvenientes, angústias bestiais, exageros, ansiedade,
dramas superficiais por vezes e certa complacência consigo mesmo, na juventude os outros sempre estão errados!
Olhando os
olhos do meu filho e depois para os meus próprios olhos – eu tendo a sentir que
a vida – essa constante alternância de altos e baixos sempre valeu a pena, e
pensar o futuro agora é bem diferente de outrora, provavelmente pela existência
dessa pequena vida que abrigo sobre o meu próprio teto, me forçando a ser
criança novamente, a brincar com tudo que faz referência a sua vida, a seu
pequeno grande e ainda inexplorado mundo. Assisto o seu crescimento na primeira
fila, ali no gargarejo porque ser pai é bem isso, sempre que acontece alguma
apresentação na escolinha, lá está o Gustavo procurando instantaneamente pelo
pai e pela mãe, pois ele precisa de segurança, de aceitação, desse amor
incondicional.
Não sei se
hoje eu sou melhor, ou pior do que antes, mas o que sinto é que não tenho mais
tempo e nem disposição de gastar energia reclamando, achando que aquilo ou isso
poderia ser diferente, sabe existem fatores mais essenciais e que não precisam
de tratamento dramático, quanto mais simples melhor, embora viver não seja exatamente tão simples assim.
E de repente
me lembro de uma canção do Beto Guedes intitulada Cruzada:
Não sei andar sozinho
Por essas ruas
Sei do perigo que nos rodeia
Pelos caminhos
Não há sinal de sol
Mas tudo me acalma no seu olhar
Não quero ter mais sangue
Morto nas veias
Quero o abrigo do teu abraço
Que me incendeia
Não há sinal de cais
Mas tudo me acalma no seu olhar
Você parece comigo
Nenhum senhor te acompanha
Você também se dá um beijo dá abrigo
Flor nas janelas da casa
Olho no seu inimigo
Você também se dá um beijo dá abrigo
Se dá um riso dá um tiro
Não quero ter mais sangue
Morto na veia
Quero o abrigo do teu abraço
Que me incendeia
Não há sinal de paz
E tudo me acalma no seu olhar
Você parece comigo
Nenhum senhor te acompanha
Você também se dá um beijo dá abrigo
Flor nas janelas da casa
Olho no seu inimigo
Você também se dá um beijo dá abrigo
Se dá um riso dá um tiro
E assim, 47 anos atrás alguém muito parecido comigo nascia na
pequenina Loanda, e de lá pra cá foram tantas histórias por esses caminhos do meu
deus, e se de alguma coisa eu sei neste mundo é apenas a desconfiança de
desejar e dizer ao Guti: faça sua vida valer a pena diariamente, sonhe o quanto
puder sonhar, nunca desista daquilo que julga ser importante, corra atrás
enquanto for jovem e depois se permita reinventar-se um pouquinho a cada novo dia e, por fim, nunca tenha medo de se olhar com honestidade no espelho e nas
suas fotografias, assim como bem fez o Phil Collins.
Eu continuo sendo um sobrevivente de mim mesmo...
O homem que a dor não educou será sempre uma criança...
Vitrola: Phil
Collins If Leaving Me Is Easy (Live) 2015 e Beto Guedes – Cruzada
Cena do longa de Jonathan Demme “Filadélfia” (1993), e música cantada pela voz imortal de Maria Callas, a combinação não poderia dar em outra coisa, a não ser em uma cena memorável.
Abaixo uma
resenha assinada por Bia Abramo em 1994.
"Filadélfia"
combate preconceito com didatismo e honestidade
BIA
ABRAMO
DA REDAÇÃO
"Filadélfia" não foi levado muito a sério pela crítica quando
entrou em circuito comercial. Foi agraciado com adjetivos como convencional e
preconceituoso.
O grande mérito do filme tem origem justamente no que foi apontado com seu
defeito principal. Jonathan Demme acertou na mosca em fazer um filme
"careta", que tem como recurso dramático básico uma das formas mais
caras e consagradas do cinema americano –o filme de tribunal. O fato é que
"Filadélfia" consegue tratar com justiça e de forma didática um
assunto espinhoso.
A luta do advogado homossexual Andrew Beckett (Tom Hanks, Oscar de melhor ator
em 93) para provar que foi demitido por ser soropositivo expõe os preconceitos
em relação aos gays, mostra o estigma relacionado a Aids e revela as
dificuldades que as minorias enfrentam para garantir os seus direitos básicos.
O didatismo –por cálculo ou por limitação estética–, funciona para atrair e
seduzir um público avesso ou mesmo simplesmente envergonhado. O segundo lugar
na pesquisa Datafolha (veja quadro nesta página) parece confirmar essa hipótese
–retirar um vídeo na locadora é um ato mais anônimo do que ir ao cinema para
assistir um filme que pode ser considerado "gay" no senso comum.
Outro truque eficiente de Demme foi a escolha de um ator negro (Denzel
Washington) para interpretar o advogado de defesa Joe Miller. É de sua boca que
saem algumas das frases mais duras (e uma das piadas mais bem-humoradas também)
sobre a opção sexual de Beckett. Só um negro –ou seja, também membro de uma
minoria– pode ser tão politicamente incorreto no país que inventou as patrulhas
da correção.
Claro que exibir uma pessoa (neste caso, o ator-símbolo do homem comum
americano) definhando de uma doença tão devastadora como a Aids proporciona
terreno fértil para pieguice e Demme não faz esforço combate isso. Mas é menos
importante do que a honestidade de mostrar.
Detalhe: a trilha sonora, com "Streets of Philadelphia", de Bruce
Springsteen (Oscar de canção), e por uma belíssima música de Neil Young é de
primeira.
Filme: Filadélfia
Produção: EUA, 1993
Direção: Jonathan Demme
Elenco: Tom Hanks, Denzel Washington, Jason Robards
Vitrola: Maria Callas - La Mamma Morta (Philadelphia - 1993)