sexta-feira, 15 de abril de 2011

Espaço



“Prestes a completar 40 anos sem ter realizado nada do que pretendia realizar – sem jamais ter alcançado a criatividade profunda à qual me dediquei todo esse tempo –, me sinto ocupando uma posição menor, débil e obscura, a que cheguei não por destino, mas por culpa minha, como se me tivessem faltado, a certa altura do caminho, o espírito e a coragem necessários para me encaixar com competência nos moldes que iam surgindo. Penso em Leander[1] e em todos os outros. Não é por serem histórias de fracasso; não é isso que assusta. É que esses registros são banais, eles não têm a menor importância; é porque Leander, caminhando no jardim ao entardecer, padecendo de uma paixão violenta, não interessa a ninguém. Não importa. Não importa...”

John Cheever

E lá estava eu no meio da multidão para prestigiar o U2 pela segunda vez na vida. De cara veio uma nítida impressão de grandeza, imponência e limites tecnológicos que parecem nunca intimidar os irlandeses. Esse talvez seja o ponto alto da carreira e da longevidade da turma do U2.

No show as colagens artísticas comuns ao universo da banda, da pintura à arte eletrônica, da cultura do videoclipe a estética holografica, pois no final das contas, o palco e seus telões acoplados são a disseminação desta porção tridimensional da cultura cibernética do presente século.

O show então é uma viagem espacial – desde sua introdução ao som de David Bowie “Space Oddity” (linda/maravilhosa) até o epilogo quando no telão a banda homenageia Elton John e Yuri Gagarin na balada “Rocket Man” – porém é uma jornada nas estrelas sem arredar os pés deste planeta, ou seja, sem um diário estelar.

Há momentos em que nos pegamos enraizados e enfeitiçados de maneira tão profunda que não conseguimos esquecer concretamente da nossa própria existência. E para isso basta olhar para Bono, The Edge, Adam e Larry em ação em canções como “I Will follow”, “Sunday Blody Sunday”, a memorável “I still haven't found What I'm looking for” – quando Bono praticamente não cantou, pois os shows na América do Sul não são feitos por eles (U2), mas sim por nós espectadores, advertiu o cantor.  

Enfim, basta recordar que há trinta anos eles já faziam parte da vida de quase todos que estavam naquele estádio, e daí parte a certa melancolia de si olhar no espelho e ter a certeza que o tempo passou, para você e também para o U2.

Em meio a mensagens sociopolíticas de engajamento e ao trivial e previsível jogo de cortejo aos tupiniquins, “eu sou brasileiro e não desisto nunca!”, solta um Bono bastante rouco, com uma voz que em nada faz lembrar o vigor da década de 80. E assim o baixinho foi tocando o show à sua maneira, às vezes no piloto automático para seu próprio conforto e a alegria das gerações mais novas (por vezes mais complacentes, se preferir mais leves a nós quarentões chatos), outras com alguma pálida energia criativa que ainda lhe resta por trás da figura caricata da qual se tornou refém de si mesmo nos últimos anos.

Vieram canções emblemáticas e feitas para grandes arenas como “City Of Blinding Lights”, “Walk On”, “Pride” e outras com adornos de contemporaneidade como “Crazy Tonight” com direito a trechos de “Relax” hit dos anos 80 do Frankie Goes To Hollywood, além de uma participação de Seu Jorge cantando com Bono, (os dois bem desafinados por sinal) na versão bossa-nova de “Model” dos alemães do Kraftwerk.

Talvez o único momento que tenha fugido ao script certinho do show foi a inserção no setlist de “Zooropa” que há anos não era executada pela banda ao vivo. Essa é uma canção profética que permeia como a tecnologia e o consumismo vão rondando e engolindo multidões ao redor do planeta, curiosamente parece servir como antítese para o próprio show do U2 em 2011.

Depois de duas horas e pouco de show chega a hora do adeus com “Moment of Surrender”, e à minha frente eu antevejo um Bono que poderia ser eu mesmo em meus momentos de instabilidade temendo sair do palco e encarar a própria imagem em seu camarim. Por isso tudo não consegui evitar a lembrança das lentes perturbadoras do escritor John Cheever (citação acima).

Meia-noite no Morumbi, luzes acessas, é hora de encarar a multidão nas ruas, só que eu não sou o Bono, por isso mesmo demorei um pouquinho pra chegar em casa e olhar o espelho.

Trilha Sonora
Artista: U2
Música: Zooropa

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